terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Atividade de Produção textual: Norma e variação linguística



Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Educação
Curso de Pedagogia
Disciplina Didática da Língua Portuguesa – EDD361
Professor Doutor Marcelo Macedo Corrêa e Castro

Atividade de produção textual
A.    Instruções

Este documento contém uma proposta de atividade de produção textual, a ser entregue ao professor no dia 8 de maio de 2019. Inicialmente, você encontrará uma coletânea de textos que têm como objeto principal o conceito de norma linguística. A seguir, são apresentados fragmentos retirados do livro Por uma vida melhor, destinado ao segmento de EJA e incluído no Programa Nacional do Livro Didático do MEC em 2011. Por fim, são encaminhadas questões para que você responda com base no que foi estudado nas aulas de Didática da Língua Portuguesa e no que apontam os textos da coletânea inicial deste documento.
Não há uma extensão predeterminada para as suas respostas.
Os textos da coletânea servem de apoio, e não de limite, para as suas reflexões.
Para que as suas reflexões ganhem consistência, as afirmações devem ser apoiadas em argumentos e/ou dados.
Escreva seu texto dentro dos limites da norma padrão escrita vigente no meio acadêmico.
Faça um texto de resposta para cada questão.
Cada questão vale meio ponto (0,5).
A produção deve ser entregue em arquivo eletrônico (PDF) a ser enviado para o endereço marelocorreaecastro@gmail.com.

B.     Textos de apoio

1.      Norma e variação

1.1  (AZEREDO, 2008)[1]
Uma língua é um sistema abstrato reconhecível nos muitos usos, orais ou escritos, que seus falantes fazem dela. Os indivíduos concretizam esse sistema, seja como enunciadores, seja como destinatários, nas múltiplas situações de uso. Por isso, o uso da língua é, em princípio, um ato individual. Mesmo individuais, porém, esses atos são normalmente acontecimentos intersubjetivos, visto que se realizam na e para a comunicação entre indivíduos ou sujeitos, que precisam, para compreender-se, estar “de acordo” sobre o que significam os sinais que estão usando.
Esse “estar de acordo” refere-se à dimensão social e histórica da língua: social porque pertence a todos, e histórica porque é transmitida de geração a geração, através do tempo. O fato de pertencer a todos exerce sobre o uso uma pressão padronizadora, cujo efeito é a semelhança ou mesmo a identidade de uso entre os membros da mesma comunidade. Esse modo coletivo de usar a língua constitui uma norma, isto é, um
CONJUNTO DE REALIZAÇÕES FONÉTICAS, MORFOLÓGICAS, LEXICAIS E SINTÁTICAS PRODUZIDO E ADOTADO MEDIANTE UM ACORDO TÁCITO PELOS MEMBROS DA COMUNIDADE (p. 63).

1.2 (FARACO, 2008)[2]
O conceito de norma, nos estudos linguísticos, surgiu da necessidade de estipular um nível teórico capaz de captar, pelo menos em parte, a heterogeneidade constitutiva da língua.
Como os estudos científicos da linguagem verbal têm mostrado, nenhuma língua é uma realidade unitária e homogênea. Só o é, de fato, nas representações imaginárias de uma cultura e nas concepções políticas de uma sociedade.
No plano empírico, uma língua é constituída por um conjunto de variedades. Em outras palavras, não existe língua para além ou acima do conjunto das suas variedades constitutivas, nem existe a língua de um lado e as variedades de outro, como muitas vezes se acredita no senso comum: empiricamente a língua é o próprio conjunto das variedades. Trata-se, portanto, de uma realidade intrinsicamente heterogênea. (p. 31)
É possível, então, conceituar tecnicamente norma como determinado conjunto de fenômenos linguísticos (fonológicos, morfológicos, sintáticos e lexicais) que são correntes, costumeiros, habituais numa dada comunidade de fala. Norma nesse sentido se identifica com normalidade, ou seja, com o que é corriqueiro, usual, habitual, recorrente (“norma”) numa certa comunidade de fala (p. 35).

2.      Normas
2.1  (AZEREDO, 2008)
As várias normas e a variedade padrão
Essas normas podem ser características do uso de toda uma região – normas regionais -, do uso de diferentes classes socioeconômicas – normas sociais -, dos usos em família – normas familiares -, dos usos típicos de certas profissões – normas profissionais -, dos usos das gerações – normas etárias – etc.  O importante na conceituação de norma são o seu caráter coletivo e sua condição de “modelo de uso”, que os membros da comunidade seguem, por escolha ou por força da herança sócio-histórica. Isto não significa que a norma é rígida e invariável: o sistema oferece aos usuários da língua meios de renová-la. É verdade, no entanto, que essa renovação é lenta, pois as forças sociais de conservação são mais poderosas do que as iniciativas individuais de estilização.
O que chamamos de língua comum ou língua padrão, dialeto regional ou dialeto social não corresponde, porém, a uma entidade homogênea e estável, de limites por si mesmos definidos, integrada na vida social à espera de que o pesquisador a encontre e revele. Estes limites são concebidos no domínio da teoria, a fim de que o pesquisador disponha de um guia, de um roteiro de investigação. Se esses limites são em geral fluidos, também é verdade que os falantes nativos da língua têm intuições que os habilitam a reconhecer, na fala de outro usuário dessa língua, traços característicos de outra região – dialeto geográfico – ou de outro segmento social – dialeto social. Entres os dados que norteiam a pesquisa estão essas intuições e as atitudes relativamente à linguagem baseadas nessas mesmas intuições. De um modo geral, seja por influência da escola – no caso de indivíduos escolarizados – seja por certos condicionamentos sociológicos, os usuários da língua constroem alguma imagem sobre a forma mais conveniente ou mais correta de utilizar uma língua, seja na pronúncia das palavras, seja na seleção do vocabulário, seja ainda nos meios de expressar suas combinações na frase.
Portanto, quando falamos em “língua portuguesa” como uma entidade familiar a brasileiros e portugueses, e comum a milhões de pessoas em quatro continentes, estamos, na verdade, referindo-nos a uma grande abstração. Em um ensaio lúcido e teoricamente atualíssimo, Mário de Andrade ponderava que “A língua, no seu sentido, digamos, abstrato, é uma propriedade de todo o grupo social que a emprega. Mas isso é uma mera abstração, essa língua não existe. O tempo, os acidentes regionais, as profissões se encarregam de transformar essa língua abstrata numa quantidade de linguagens concretas diversas”. De fato só tomamos conhecimento de uma língua através de seus usos, manifestação mais límpida de sua natureza essencialmente instrumental na vida das pessoas. Se uma língua só existe em seus usos, concluímos que suas formas se legitimam no simples fato de existirem e de tornarem possível a expressão individual e a comunicação no seio de um grupo social (p. 63-64).
2.2 (CASTILHO, 2012)[3]
Norma gramatical, norma culta
Variedade linguística que determinados grupos sociais adotam como referência em seus usos da língua. Na sociedade brasileira (e em outras sociedades), tentou-se identificar uma norma para a língua escrita a partir da linguagem usada pelos grandes escritores, e uma norma para a língua falada a partir da pronúncia utilizada em uma região ou cidade (Rio de Janeiro, Salvador etc.). Essa posição foi substituída pela observação objetiva de como as pessoas cultas falam e escrevem em suas respectivas regiões. A norma gramatical é expressa através da regra* gramatical[4]. A língua literária*[5], produzida pelos grandes escritores, foge ao modo comum de escrever, e por isso não pode fundamentar a norma gramatical (p.686).
Norma padrão
Norma objetiva > é o uso linguístico concreto praticado pela classe socialmente prestigiada [...] Não está a salvo do fenômeno da variação linguística [...] No caso do Brasil, o policentrismo cultural acarreta necessariamente uma variedade de normas objetivas: (i) uma norma intraindividual, que pode ser espontânea ou coloquial/refletida ou formal; (ii) uma norma individual, pois há normas para as diferentes faixas etárias da classe de prestígio; (iii) uma norma temática; e (iv) uma norma relativa ao canal (p.90-91).
Norma subjetiva > é um conjunto de juízos de valor emitidos pelos falantes a respeito da norma objetiva (p.91).
Norma pedagógica > é uma mistura um tanto difícil de realismo com idealismo em matéria de fenômenos linguísticos (p.91).



2.3 (BRITTO, 2009)[6]
Na prática pedagógica e em atividades sociais em que se remete objetivamente à língua, toma-se como referência de correção e avaliação a ideia de uma língua como algo dado e reconhecido. Este conceito implica um modelo linguístico ideal que, hipoteticamente, se estabeleceu como de uso geral e se admite como correto. Esta representação de língua tem sido chamada de muitas formas: língua, língua pátria, língua oficial, língua formal, padrão, língua padrão, norma, norma culta, norma gramatical, dialeto culto, dialeto padrão. É a concepção de língua transmitida pela escola (por isso também conhecida como norma pedagógica) e descrita em dicionários e gramáticas (norma gramatical ou norma prescritiva) (p.26).
Norma seria, portanto, um procedimento explícito, presente nas gramáticas e nos dicionários, sendo seguida nos usos oficiais e ensinada nas escolas. Neste sentido, não é uma variedade linguística, uma vez que não corresponde à fala de nenhum grupo social (p. 27).
Em Britto (1997), adotei o termo norma canônica[7] para estabelecer a diferença entre esta instância oficial da língua e as formas linguísticas realizadas na prática social. A norma canônica pode ser definida como a idealização dos usos linguísticos de uma comunidade oficial, estabelecida no confronto histórico de construção de cultura nacional e funcionando como uma lei, que determina os padrões – orais e escritos – e a referência de avaliação e correção das formas linguísticas (p.28).
Apesar do estatuto de quase legalidade, mesmo a norma canônica admite variação, é objeto de polêmica e não demonstra a mesma força coercitiva em todas as situações. Sua eficiência varia em função do gênero e do lugar de circulação de textos. (p. 29)
Na linguística contemporânea, porém, verifica-se uma forte tendência de postular a existência de uma variedade linguística que, em função da forma que se representa e se usa a língua em sociedade, seria a expressão hegemônica. Esta variedade, identificada pelo projeto NURC como norma culta[8], é menos marcada (apresenta-se, no discurso espontâneo, como mais neutra) e corresponde à fala do segmento social objetivamente identificado pelos seguintes aspectos:
. Urbanidade – em oposição a ruralidade, compreendo como rural também os pequenos aglomerados urbanos articulados ao campo;
. Centralidade – em oposição a periférico, incluindo nesse conceito tanto a relação que se dá no interior de uma grande cidade, como a que opõe centro de poder político a outras regiões do país (São Paulo x Piauí) ou dos Estados (capital x interior);
. Escolaridade longa – no mínimo o Ensino Médio completo, preferencialmente nível superior;
. História de letramento familiar – no mínimo pai e mãe também escolarizados e consumidores de cultura;
. Acesso aos benefícios de serviços urbanos – saneamento, asfalto, moradia apropriada, transporte, serviço de saúde;
. Amplo consumo de cultura e lazer – jornal, revistas, livro, teatro, cinema, parques, turismo;
.Amplo acesso aos bens de consumo – automóvel, computador, aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos, etc. (p. 31).

2.4 (FARACO, 2008)
A expressão norma culta/comum/standard [9](...) designa o conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados em situações mais monitoradas de fala e escrita. Esse vínculo com os usos monitorados e com as práticas da cultura escrita leva os falantes a lhe atribuir um valor social positivo, a recobri-la com sua capa de prestígio social.
Por essa mesma razão, ela se tornou historicamente objeto privilegiado de registro, estudo e cultivo sociocultural. Esse processo produziu, no imaginário dos falantes, a representação dessa norma como uma variedade superior, como uma variedade melhor do que todas as demais.
Essa representação os leva, inclusive, a confundir essa norma com a língua, ou seja, a imaginar que a norma mais monitorada é a língua. E que todas as demais variedades são deturpações, corrupções, degradações da língua portuguesa.
[...] Não há, como muitas vezes imagina o senso comum, a língua, de um lado, e, de outro, as variedades. A língua é em si o conjunto das variedades. (p. 71)
Infelizmente, (...) o que tem predominado e que tem servido de referência no nosso sistema escolar, e tem sido reforçado por boa parte dos consultórios gramaticais da mídia, pela ação de revisores das editoras, por manuais de redação dos grandes jornais, por cursinhos pré-vestibulares e por elaboradores de questões de concursos públicos é uma norma estreita a que chamamos de norma curta.
Trata-se de um conjunto de preceitos dogmáticos que não encontram respaldo nem nos fatos, nem nos bons instrumentos normativos, mas que sustentam uma nociva cultura do erro e têm impedido um estudo adequado da norma culta/comum/standard.
[...]
Ela não passa de uma súmula grosseira e rasteira de preceitos normativos saídos, em geral, do purismo exacerbado que, infelizmente, se alastrou entre nós desde o século XIX. A norma curta é a miséria da gramática (p.92).

C.    Trechos do livro Por uma vida melhor (AGUIAR, C. A. de et al. São Paulo: GLOBAL)

É importante saber o seguinte: as duas variantes [norma culta e popular] são eficientes como meios de comunicação. A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros.
 Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado'. Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar ‘os livro?’.’ Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.
 Na variedade popular, contudo, é comum a concordância funcionar de outra forma. Há ocorrências como:
Nós pega o peixe.
nós - 1ª pessoa, plural
pega - 3ª pessoa, singular
Os menino pega o peixe.
menino - 3ª pessoa, ideia de plural (por causa do “os”)
pega - 3ª pessoa, singular
Nos dois exemplos, apesar de o verbo estar no singular, quem ouve a frase sabe que há mais de uma pessoa envolvida na ação de pegar o peixe. Mais uma vez, é importante que o falante de português domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala.
 É comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros. Esse preconceito não é de razão linguística, mas social. Por isso, um falante deve dominar as diversas variantes porque cada uma tem seu lugar na comunicação cotidiana.
 A norma culta existe tanto na linguagem escrita como na linguagem oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta. Algo semelhante ocorre quando falamos: conversar com uma autoridade exige uma fala formal, enquanto é natural conversarmos com as pessoas de nossa família de maneira espontânea, informal.
D.    Questões
A circulação desses e de outros trechos do referido livro causou grande polêmica na mídia, com manifestações contrárias por parte de diversos órgãos e sujeitos. Em reação, diferentes intelectuais, pesquisadores, professores e associações científicas das áreas de ensino e de linguagem saíram em defesa da postura adotada no livro no que se refere ao uso das normas da Língua Portuguesa. Com base nos textos de Azeredo, Castilho, Britto e Faraco, bem como em sua experiência como estudante e, eventualmente, como professor de Língua Portuguesa na Educação básica, responda às questões a seguir.
1. A Língua deve ser empregada sempre da mesma forma? Por quê?
2. Que fatores atuam para que haja usos variados de uma mesma Língua?
3. Diante da presença de usos diversos da língua, por parte dos estudantes de uma mesma sala, como deve agir o professor de Língua Portuguesa?




[1] AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa. 2ª ed. São Paulo, Publifolha, 2008.
[2] FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo, Parábola Editorial, 2008.
[3] CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática do português brasileiro. São Paulo, Contexto, 2012.
[4] O autor remete para o verbete da palavra Regra, no qual destaca que a mesma pode ser entendida como norma a ser seguida, como regularidade constatada e como expectativa criada por um princípio geral. (p.690)
[5] No caso da língua literária (p.681), o autor destaca que se trata de uma “Variedade linguística caracterizada pela busca de individualidade e fundamentada num projeto estético”.
[6] BRITTO, Luiz Percival leme. Contra o consenso: cultura escrita, educação e participação. 1ª reimpressão, Campinas, São Paulo, Mercado de Letras, 2009.
[7] Grifo acrescido.
[8] Grifo acrescido.
[9] Idem.