Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Educação
Curso de Pedagogia
Disciplina Didática da Língua Portuguesa –
EDD361
Professor Doutor Marcelo Macedo Corrêa e
Castro
Atividade
de produção textual
A. Instruções
Este documento contém uma proposta
de atividade de produção textual, a ser entregue ao professor no dia 8 de maio de 2019. Inicialmente,
você encontrará uma coletânea de textos que têm como objeto principal o
conceito de norma linguística. A seguir, são apresentados fragmentos retirados
do livro Por uma vida melhor,
destinado ao segmento de EJA e incluído no Programa Nacional do Livro Didático
do MEC em 2011. Por fim, são encaminhadas questões para que você responda com
base no que foi estudado nas aulas de Didática da Língua Portuguesa e no que
apontam os textos da coletânea inicial deste documento.
Não há uma extensão predeterminada
para as suas respostas.
Os textos da coletânea servem de apoio, e não de limite,
para as suas reflexões.
Para que as suas reflexões ganhem consistência, as
afirmações devem ser apoiadas em argumentos e/ou dados.
Escreva seu texto dentro dos limites da norma padrão
escrita vigente no meio acadêmico.
Faça um texto de resposta para cada questão.
Cada questão vale meio ponto (0,5).
A produção deve ser entregue
em arquivo eletrônico (PDF) a ser enviado
para o endereço marelocorreaecastro@gmail.com.
B. Textos de apoio
1.
Norma e variação
Uma língua é um
sistema abstrato reconhecível nos muitos usos, orais ou escritos, que seus
falantes fazem dela. Os indivíduos concretizam esse sistema, seja como
enunciadores, seja como destinatários, nas múltiplas situações de uso. Por
isso, o uso da língua é, em princípio, um ato
individual. Mesmo individuais, porém, esses atos são normalmente
acontecimentos intersubjetivos, visto que se realizam na e para a comunicação
entre indivíduos ou sujeitos, que precisam, para compreender-se, estar “de
acordo” sobre o que significam os sinais que estão usando.
Esse “estar de
acordo” refere-se à dimensão social e histórica da língua: social porque pertence a todos, e histórica porque é transmitida de geração a geração, através do
tempo. O fato de pertencer a todos exerce sobre o uso uma pressão
padronizadora, cujo efeito é a semelhança ou mesmo a identidade de uso entre os
membros da mesma comunidade. Esse modo coletivo de usar a língua constitui uma norma, isto é, um
CONJUNTO DE
REALIZAÇÕES FONÉTICAS, MORFOLÓGICAS, LEXICAIS E SINTÁTICAS PRODUZIDO E ADOTADO
MEDIANTE UM ACORDO TÁCITO PELOS MEMBROS DA COMUNIDADE (p. 63).
1.2
(FARACO, 2008)[2]
O conceito de norma, nos estudos
linguísticos, surgiu da necessidade de estipular um nível teórico capaz de
captar, pelo menos em parte, a heterogeneidade constitutiva da língua.
Como os estudos científicos da linguagem
verbal têm mostrado, nenhuma língua é uma realidade unitária e homogênea. Só o
é, de fato, nas representações imaginárias de uma cultura e nas concepções
políticas de uma sociedade.
No plano empírico, uma língua é
constituída por um conjunto de variedades. Em outras palavras, não existe
língua para além ou acima do conjunto das suas variedades constitutivas, nem
existe a língua de um lado e as variedades de outro, como muitas vezes se
acredita no senso comum: empiricamente a língua é o próprio conjunto das
variedades. Trata-se, portanto, de uma realidade intrinsicamente heterogênea.
(p. 31)
É possível, então, conceituar tecnicamente
norma como determinado conjunto de fenômenos linguísticos (fonológicos,
morfológicos, sintáticos e lexicais) que são correntes, costumeiros, habituais
numa dada comunidade de fala. Norma nesse sentido se identifica com
normalidade, ou seja, com o que é corriqueiro, usual, habitual, recorrente
(“norma”) numa certa comunidade de fala (p. 35).
2.
Normas
2.1 (AZEREDO, 2008)
As várias normas e a variedade padrão
Essas normas podem
ser características do uso de toda uma região – normas regionais -, do uso de diferentes classes socioeconômicas – normas sociais -, dos usos em família – normas familiares -, dos usos típicos de
certas profissões – normas profissionais
-, dos usos das gerações – normas etárias
– etc. O importante na conceituação de
norma são o seu caráter coletivo e sua condição de “modelo de uso”, que os
membros da comunidade seguem, por escolha ou por força da herança
sócio-histórica. Isto não significa que a norma é rígida e invariável: o
sistema oferece aos usuários da língua meios de renová-la. É verdade, no
entanto, que essa renovação é lenta, pois as forças sociais de conservação são
mais poderosas do que as iniciativas individuais de estilização.
O que chamamos de
língua comum ou língua padrão, dialeto regional ou dialeto social não
corresponde, porém, a uma entidade homogênea e estável, de limites por si
mesmos definidos, integrada na vida social à espera de que o pesquisador a
encontre e revele. Estes limites são concebidos no domínio da teoria, a fim de
que o pesquisador disponha de um guia, de um roteiro de investigação. Se esses
limites são em geral fluidos, também é verdade que os falantes nativos da
língua têm intuições que os habilitam a reconhecer, na fala de outro usuário
dessa língua, traços característicos de outra região – dialeto geográfico – ou
de outro segmento social – dialeto social. Entres os dados que norteiam a
pesquisa estão essas intuições e as atitudes relativamente à linguagem baseadas
nessas mesmas intuições. De um modo geral, seja por influência da escola – no
caso de indivíduos escolarizados – seja por certos condicionamentos
sociológicos, os usuários da língua constroem alguma imagem sobre a forma mais
conveniente ou mais correta de utilizar uma língua, seja na pronúncia das
palavras, seja na seleção do vocabulário, seja ainda nos meios de expressar
suas combinações na frase.
Portanto, quando
falamos em “língua portuguesa” como uma entidade familiar a brasileiros e
portugueses, e comum a milhões de pessoas em quatro continentes, estamos, na
verdade, referindo-nos a uma grande abstração. Em um ensaio lúcido e teoricamente
atualíssimo, Mário de Andrade ponderava que “A língua, no seu sentido, digamos,
abstrato, é uma propriedade de todo o grupo social que a emprega. Mas isso é
uma mera abstração, essa língua não existe. O tempo, os acidentes regionais, as
profissões se encarregam de transformar essa língua abstrata numa quantidade de
linguagens concretas diversas”. De fato só tomamos conhecimento de uma língua
através de seus usos, manifestação mais límpida de sua natureza essencialmente
instrumental na vida das pessoas. Se uma língua só existe em seus usos,
concluímos que suas formas se legitimam no simples fato de existirem e de
tornarem possível a expressão individual e a comunicação no seio de um grupo
social (p. 63-64).
2.2 (CASTILHO, 2012)[3]
Norma
gramatical, norma culta
Variedade linguística que determinados
grupos sociais adotam como referência em seus usos da língua. Na sociedade
brasileira (e em outras sociedades), tentou-se identificar uma norma para a
língua escrita a partir da linguagem usada pelos grandes escritores, e uma
norma para a língua falada a partir da pronúncia utilizada em uma região ou
cidade (Rio de Janeiro, Salvador etc.). Essa posição foi substituída pela
observação objetiva de como as pessoas cultas falam e escrevem em suas
respectivas regiões. A norma gramatical é expressa através da regra* gramatical[4]. A língua literária*[5], produzida pelos grandes
escritores, foge ao modo comum de escrever, e por isso não pode fundamentar a
norma gramatical (p.686).
Norma
padrão
Norma
objetiva > é
o uso linguístico concreto praticado pela classe socialmente prestigiada [...]
Não está a salvo do fenômeno da variação linguística [...] No caso do Brasil, o
policentrismo cultural acarreta necessariamente uma variedade de normas
objetivas: (i) uma norma intraindividual, que pode ser espontânea ou
coloquial/refletida ou formal; (ii) uma norma individual, pois há normas para
as diferentes faixas etárias da classe de prestígio; (iii) uma norma temática;
e (iv) uma norma relativa ao canal (p.90-91).
Norma
subjetiva > é
um conjunto de juízos de valor emitidos pelos falantes a respeito da norma
objetiva (p.91).
Norma
pedagógica > é
uma mistura um tanto difícil de realismo com idealismo em matéria de fenômenos
linguísticos (p.91).
2.3
(BRITTO, 2009)[6]
Na prática pedagógica e em atividades
sociais em que se remete objetivamente à língua, toma-se como referência de
correção e avaliação a ideia de uma língua como algo dado e reconhecido. Este
conceito implica um modelo linguístico ideal que, hipoteticamente, se estabeleceu
como de uso geral e se admite como correto. Esta representação de língua tem
sido chamada de muitas formas: língua, língua pátria, língua oficial, língua
formal, padrão, língua padrão, norma, norma culta, norma gramatical, dialeto
culto, dialeto padrão. É a concepção de língua transmitida pela escola (por
isso também conhecida como norma pedagógica) e descrita em dicionários e
gramáticas (norma gramatical ou norma prescritiva) (p.26).
Norma seria, portanto, um procedimento
explícito, presente nas gramáticas e nos dicionários, sendo seguida nos usos
oficiais e ensinada nas escolas. Neste sentido, não é uma variedade
linguística, uma vez que não corresponde à fala de nenhum grupo social (p. 27).
Em Britto (1997), adotei o termo norma canônica[7]
para estabelecer a diferença entre esta instância oficial da língua e as formas
linguísticas realizadas na prática social. A norma canônica pode ser definida
como a idealização dos usos linguísticos de uma comunidade oficial,
estabelecida no confronto histórico de construção de cultura nacional e
funcionando como uma lei, que determina os padrões – orais e escritos – e a
referência de avaliação e correção das formas linguísticas (p.28).
Apesar do estatuto de quase legalidade,
mesmo a norma canônica admite variação, é objeto de polêmica e não demonstra a
mesma força coercitiva em todas as situações. Sua eficiência varia em função do
gênero e do lugar de circulação de textos. (p. 29)
Na linguística contemporânea, porém,
verifica-se uma forte tendência de postular a existência de uma variedade
linguística que, em função da forma que se representa e se usa a língua em
sociedade, seria a expressão hegemônica. Esta variedade, identificada pelo
projeto NURC como norma culta[8],
é menos marcada (apresenta-se, no discurso espontâneo, como mais neutra) e
corresponde à fala do segmento social objetivamente identificado pelos
seguintes aspectos:
. Urbanidade – em oposição a ruralidade,
compreendo como rural também os pequenos aglomerados urbanos articulados ao
campo;
. Centralidade – em oposição a periférico,
incluindo nesse conceito tanto a relação que se dá no interior de uma grande
cidade, como a que opõe centro de poder político a outras regiões do país (São
Paulo x Piauí) ou dos Estados (capital x interior);
. Escolaridade longa – no mínimo o Ensino
Médio completo, preferencialmente nível superior;
. História de letramento familiar – no
mínimo pai e mãe também escolarizados e consumidores de cultura;
. Acesso aos benefícios de serviços
urbanos – saneamento, asfalto, moradia apropriada, transporte, serviço de
saúde;
. Amplo consumo de cultura e lazer –
jornal, revistas, livro, teatro, cinema, parques, turismo;
.Amplo acesso aos bens de consumo –
automóvel, computador, aparelhos eletrônicos, eletrodomésticos, etc. (p. 31).
2.4
(FARACO, 2008)
A expressão norma culta/comum/standard [9](...) designa o conjunto de
fenômenos linguísticos que ocorrem habitualmente no uso dos falantes letrados
em situações mais monitoradas de fala e escrita. Esse vínculo com os usos
monitorados e com as práticas da cultura escrita leva os falantes a lhe
atribuir um valor social positivo, a recobri-la com sua capa de prestígio
social.
Por essa mesma razão, ela se tornou
historicamente objeto privilegiado de registro, estudo e cultivo sociocultural.
Esse processo produziu, no imaginário dos falantes, a representação dessa norma
como uma variedade superior, como uma variedade melhor do que todas as demais.
Essa representação os leva, inclusive, a
confundir essa norma com a língua, ou seja, a imaginar que a norma mais
monitorada é a língua. E que todas as demais variedades são deturpações,
corrupções, degradações da língua portuguesa.
[...] Não há, como muitas vezes imagina o
senso comum, a língua, de um lado, e, de outro, as variedades. A língua é em si
o conjunto das variedades. (p. 71)
Infelizmente, (...) o que tem predominado
e que tem servido de referência no nosso sistema escolar, e tem sido reforçado
por boa parte dos consultórios gramaticais da mídia, pela ação de revisores das
editoras, por manuais de redação dos grandes jornais, por cursinhos
pré-vestibulares e por elaboradores de questões de concursos públicos é uma
norma estreita a que chamamos de norma curta.
Trata-se de um conjunto de preceitos
dogmáticos que não encontram respaldo nem nos fatos, nem nos bons instrumentos
normativos, mas que sustentam uma nociva cultura do erro e têm impedido um
estudo adequado da norma culta/comum/standard.
[...]
Ela não passa de uma súmula grosseira e
rasteira de preceitos normativos saídos, em geral, do purismo exacerbado que,
infelizmente, se alastrou entre nós desde o século XIX. A norma curta é a miséria da gramática (p.92).
C.
Trechos do livro Por uma vida melhor (AGUIAR, C. A. de et al. São Paulo: GLOBAL)
É
importante saber o seguinte: as duas variantes [norma culta e popular] são
eficientes como meios de comunicação. A classe dominante utiliza a norma culta
principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal
de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em
relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros.
Os
livro ilustrado mais interessante estão emprestado'. Você pode
estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar ‘os livro?’.’ Claro que pode. Mas
fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima
de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o
que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma
culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante,
portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada
ocasião.
Na
variedade popular, contudo, é comum a concordância funcionar de outra forma. Há
ocorrências como:
Nós
pega o peixe.
nós
- 1ª pessoa, plural
pega
- 3ª pessoa, singular
Os
menino pega o peixe.
menino
- 3ª pessoa, ideia de plural (por causa do “os”)
pega
- 3ª pessoa, singular
Nos
dois exemplos, apesar de o verbo estar no singular, quem ouve a frase sabe que
há mais de uma pessoa envolvida na ação de pegar o peixe. Mais uma vez, é
importante que o falante de português domine as duas variedades e escolha a que
julgar adequada à sua situação de fala.
É
comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada
pela maioria dos brasileiros. Esse preconceito não é de razão linguística, mas
social. Por isso, um falante deve dominar as diversas variantes porque cada uma
tem seu lugar na comunicação cotidiana.
A
norma culta existe tanto na linguagem escrita como na linguagem oral, ou seja,
quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando
escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a
norma culta. Algo semelhante ocorre quando falamos: conversar com uma
autoridade exige uma fala formal, enquanto é natural conversarmos com as
pessoas de nossa família de maneira espontânea, informal.
D.
Questões
A
circulação desses e de outros trechos do referido livro causou grande polêmica
na mídia, com manifestações contrárias por parte de diversos órgãos e sujeitos.
Em reação, diferentes intelectuais, pesquisadores, professores e associações
científicas das áreas de ensino e de linguagem saíram em defesa da postura
adotada no livro no que se refere ao uso das normas da Língua Portuguesa. Com
base nos textos de Azeredo, Castilho, Britto e Faraco, bem como em sua
experiência como estudante e, eventualmente, como professor de Língua
Portuguesa na Educação básica, responda às questões a seguir.
1. A Língua deve ser empregada sempre da mesma forma? Por quê?
2. Que fatores atuam para que haja usos variados de
uma mesma Língua?
3. Diante da presença de usos diversos da língua, por
parte dos estudantes de uma mesma sala, como deve agir o professor de Língua
Portuguesa?
[1]
AZEREDO, José Carlos de. Gramática Houaiss da Língua Portuguesa.
2ª ed. São Paulo, Publifolha, 2008.
[2]
FARACO, Carlos Alberto. Norma culta
brasileira: desatando alguns nós.
São Paulo, Parábola Editorial, 2008.
[3]
CASTILHO, Ataliba T. de. Nova gramática
do português brasileiro. São Paulo, Contexto, 2012.
[4] O
autor remete para o verbete da palavra Regra,
no qual destaca que a mesma pode ser entendida como norma a ser seguida, como
regularidade constatada e como expectativa criada por um princípio geral.
(p.690)
[5] No
caso da língua literária (p.681), o autor destaca que se trata de uma
“Variedade linguística caracterizada pela busca de individualidade e
fundamentada num projeto estético”.
[6]
BRITTO, Luiz Percival leme. Contra o
consenso: cultura escrita, educação e participação. 1ª reimpressão,
Campinas, São Paulo, Mercado de Letras, 2009.
[7]
Grifo acrescido.
[8]
Grifo acrescido.
[9]
Idem.