Universidade Federal do Rio de
Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências
Humanas
Faculdade de Educação
Curso de Pedagogia
Disciplina Didática da Língua
Portuguesa – EDD361
Professor Doutor Marcelo Macedo
Corrêa e Castro
Bases Conceituais: Textualidade
Segundo
Val (2006, p.3), texto é uma “ocorrência linguística falada ou escrita, de
qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal”.
Ainda de acordo com a autora, a textualidade seria um “conjunto de
características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma
sequência de frases” (VAL, p.5, 2006).
Para Beaugrande e Dressler (1983,
apud Val, 2006), tais características têm relação com sete aspectos:
aceitabilidade, coerência, coesão, informatividade, intencionalidade, intertextualidade
e sustentabilidade. Val explica cada um deles da seguinte forma:
1.
Aceitabilidade
> “[...] concerne à expectativa do recebedor de que o conjunto de
ocorrências com que se defronta seja um texto coerente, coeso, útil e
relevante, capaz de leva-lo a adquirir conhecimentos ou a cooperar com os
objetivos do produtor” (p.11).
2.
Coerência
> “A coerência resulta da configuração que assumem os conceitos e
relações subjacentes à superfície textual. É considerada o fator fundamental da
textualidade, porque é responsável pelo sentido do texto. Envolve não só
aspectos lógicos e semânticos, mas também cognitivos, na medida em que depende
do partilhar de conhecimentos entre os interlocutores [...] Um discurso
é aceito como coerente quando apresenta uma configuração conceitual compatível
com o conhecimento de mundo do recebedor” ( p.5).
3.
Coesão
> “A coesão é a manifestação linguística da coerência; advém da maneira como
os conceitos e relações subjacentes são expressos na superfície textual.
Responsável pela unidade formal do texto, constrói-se através de mecanismos
gramaticais e lexicais” (p.7).
4.
Informatividade
> “[...] diz respeito à medida na qual as ocorrências de um texto são
esperadas ou não, conhecidas ou não, no plano conceitual e formal. Ocorre que
um discurso menos previsível é mais informativo, porque a sua recepção, embora
mais trabalhosa, resulta mais interessante, mais envolvente. Entretanto, se o
texto se mostrar inteiramente inusitado, tenderá a ser rejeitado pelo
recebedor, que não conseguirá processá-lo” (p.14).
5.
Intencionalidade
> “A intencionalidade concerne ao empenho do produtor em construir um
discurso coerente, coeso e capaz de satisfazer os objetivos que tem em mente,
numa determinada situação comunicativa. A meta pode ser informar, ou impressionar,
ou alarmar, ou convencer, ou pedir, ou ofender, etc., e é ela que vai orientar
a confecção do texto” (p.11).
6.
Intertextualidade
> “[...] concerne aos fatores que fazem a utilização de um texto dependente
do conhecimento de outro(s) texto(s) [...] Inúmeros textos só fazem sentido
quando entendidos em relação a outros textos, que funcionam como seu contexto.
Isso é verdade tanto para a fala coloquial, em que se retomam conversas
anteriores, quanto para os pronunciamentos políticos ou o noticiário dos jornais,
que requerem o conhecimento de discursos e notícias já divulgados, que são
tomados como pontos de partida ou são respondidos” (p.15).
7.
Situacionalidade
> “[...] diz respeito aos elementos responsáveis pela pertinência e
relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. É a adequação do texto à
situação sociocomunicativa” (p.12).
Dos
sete aspectos aqui apresentados, dois ganharam mais atenção nos estudos
acadêmicos, motivo pelo qual é mais expressiva sua presença em documentos
legais que tratam do ensino de Língua Portuguesa, em especial no que se refere
à produção textual: coerência e coesão. Itens praticamente obrigatórios em
todos os conjuntos de critérios de avaliação de produção textual, a coerência e
a coesão devem ser consideradas como aspectos indissociáveis. Embora haja uma
tendência de se relacionar a coerência mais diretamente ao conteúdo e a coesão mais
à forma de um texto, os dois aspectos se configuram como marcas presentes tanto
na superfície textual quanto nos seus níveis mais subjetivos. Por conta de sua
maior complexidade, destaco o que afirmam outros autores sobre coerência e
coesão.
Para
Elias e Koch (2011):
1.
A noção de coerência não se aplica,
isoladamente, ao texto, nem ao autor, nem ao leitor, mas se estabelece na
relação entres esses três elementos.
2.
A construção da coerência envolve da parte de
quem escreve (e também de quem lê) conhecimentos os mais variados, como, por
exemplo, o enciclopédico e o metagenérico.
3.
A coerência depende também de fatores como a
focalização e a seleção lexical.
4.
A coerência não pressupõe, necessariamente, no
plano da materialidade linguística, a ligação entre os enunciados de forma
explícita.
5.
A coerência depende também, em parte, do uso da
língua socialmente instituído.
6.
A construção da coerência demanda conhecimento
em certas culturas e épocas quanto à forma de comportamento.
7.
A coerência pressupõe a manutenção temática,
embora, em certos casos, dependendo da intenção do autor ou do gênero textual,
a fuga ao tema seja utilizada como estratégia mesma de coerência.
Marcuschi
(2008) traz as seguintes contribuições para a definição de coerência:
Para
Beaugrande (1980: 19), a coerência subsume os procedimentos pelos quais os
elementos do conhecimento são ativados, tais como a conexão conceitual. A
coerência representa a análise do esforço para a continuidade da experiência
humana. Isso significa que há uma distinção bastante clara entre a coesão como
a continuidade baseada na forma e a coerência como continuidade baseada no
sentido (p. 119).
Para
Charolles (1983), a coerência pode ser vista como “um princípio da
interpretação do discurso” e das relações humanas de modo geral. Ela é o
resultado de uma série de atos de enunciação que se encadeiam sucessivamente e
que formam um conjunto compreensível como um todo (p. 121)
No
que se refere à coesão, Elias e Koch (2011), identificam dois tipos básicos de
coesão: a referencial e a sequencial. Reportam ainda as autoras que, para Halliday
e Hane, a coesão seria construída por meio de referência, substituição, elipse,
conjunção e coesão lexical.
Já para Marcuschi (2008): “Os
processos de coesão dão conta da estruturação da sequência [superficial] do
texto (seja por recursos conectivos ou referenciais); não são simplesmente
princípios sintáticos. Constituem os padrões formais para transmitir
conhecimentos e sentidos” (p. 99).
Por fim, retornando ao texto de Val (2006), recupero o que autora
explica sobre as quatro meta-regras de Charolles (1978), diretamente ligadas à
coerência e à coesão
1.
A continuidade > “diz respeito à
necessária retomada de elementos no decorrer do discurso”.
- A progressão > “acréscimos semânticos que fazen o sentido do texto progredir”.
- A não-contradição > ausências de contradições internas e de incompatibilidades com o conhecimento de mundo.
- A articulação (congruência) > “maneira como os fatos e conceitos apresentados no texto se encadeiam”.
Para
o ensino-aprendizagem da produção textual, as noções relacionadas com o
conceito de textualidade servem como importante base para a proposição, o
acompanhamento e a avaliação de atividades de escrita dos estudantes. Não só porque são noções mais consistentes do
ponto de vista científico, como também porque permitem a superação da
perspectiva de ensino-aprendizagem que se limitava a propor redações e a
corrigi-las. Com base nelas, sugiro que os professores passem a considerar na
leitura dos textos dos seus alunos algumas questões iniciais: Essa produção é
um texto? O texto atende ao proposto para a atividade? O texto está compatível
com o estado de desenvolvimento da escrita do seu autor? De que forma estão
presentes na produção os itens da textualidade? A partir do exame de tais
aspectos, os professores podem apontar caminhos para que os estudantes, em seus
processos de desenvolvimento da escrita, continuem a ampliar o domínio daquilo
que confere textualidade às suas produções.
É
preciso, todavia, tomar cuidado para que orientações relacionadas ao aperfeiçoamento
da textualidade não se transformem em “regras de coerência e coesão”. Listas,
esquemas e fórmulas para produzir textos consistentes apenas representam para os
estudantes soluções superficiais e padronizadas que não construíram em seus
processos de desenvolvimento da escrita.
Referências Bibliográficas
ELIAS, Vanda M. & KOCH, Ingedore V. Ler e escrever: estratégias de produção
textual. SP, Contexto, 2011.
MARCUCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e
compreensão. SP, Parábola, 200
VAL, M. da G. C. Redação e textualidade. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.