segunda-feira, 10 de abril de 2023

Leitura e Prooução de Textos em Educação: Texto do Tema Práticas sociais de leitura e de escrita - 2023-1

 

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Curso de Pedagogia

Departamento de Didática

Disciplina: Leitura e Produção de Textos em Educação

Código: EDD 614

Professor Dr. Marcelo Macedo Corrêa e Castro

 

 

Tema: Práticas sociais de leitura e de escrita

 

1.       Práticas sociais de leitura e de escrita

Historicamente, ler e escrever constituem práticas indispensáveis para o desenvolvimento da civilização humana. Para iniciar por um dimensionamento temporal das diversas práticas sociais de leitura e de escrita, penso que vale a pena mencionar alguns marcadores de tempo para o seu desenvolvimento, que serão úteis para situar o macrocenário em que estamos entrando neste momento da disciplina.

Sempre lembrando que datações são estimativas sujeitas a muitas variações, começamos por situar que a espécie humana existe como espécie separada há cerca de dois milhões de anos. O Homo sapiens, sua versão mais desenvolvida, teria cerca de 350 mil anos. A civilização, por seu turno, existiria há 10 mil anos.

A escrita existiria desde aproximadamente 3.500 a. C., tendo percorrido algumas fases: a pictórica, que se valia de desenhos do que se queria representar, os chamados pictogramas;  a ideográfica, que empregava basicamente figuras e imagens associadas a ideias, os ideogramas; a silábica, que se valia de sílabas para representar sons; e a alfabética, com letras. Esta última teria se iniciado por volta de 1.100 a.C., quando os fenícios teriam produzido o primeiro alfabeto, por meio da chamada fissão silábica.

A biblioteca mais antiga do mundo seria a de Alexandria, criada no Egito, no século III a.C.  Já o papel é um artefato datado de 100 d.C. A primeira universidade, de Bolonha, foi fundada em 1214 e a imprensa com tipos móveis só entraria em cena em 1453.

Há no mundo cerca de 6.900 idiomas. Da população mundial, estimada em 7 bilhões e meio de pessoas, cerca de 280 milhões são usuários de Língua Portuguesa, dos quais 210 milhões são brasileiros. Desses últimos, 11,3 milhões são analfabetos.

A que vêm tantos dados? Trata-se de uma forma de mostrar a dimensão e a complexidade da chamada cultura escrita, cujo desenvolvimento se confunde com o próprio processo civilizatório da humanidade. E, ao mesmo tempo, de propor uma visão mais ampliada das práticas de ler e de escrever.

Em nossa sociedade, a escrita tem servido a muitos propósitos e cumprido funções diversas. A escrita serve de registro, de memória, de comprovação. É o caso de certidões, diários, contratos, atestados, por exemplo. Serve também como forma de exposição e transmissão de informações e de ideias, como podemos constatar em reportagens e artigos de opinião. Para não nos estendermos muito, podemos acrescentar que serve igualmente para a expressão de sentimentos e a fabulação, como vemos na poesia e na prosa literária.

A escrita é uma prática que está nos bilhetes que deixamos para quem coabita conosco, na lista de compras que preparamos para não nos esquecermos de nenhum produto na hora em que estivermos no mercado, na receita do prato que pretendemos preparar para a refeição de logo mais, nas mensagens trocadas nas redes sociais em todos os momentos de deslocamento em meios de transporte públicos.

E está igualmente nos registros que fazemos sobre nossos mais íntimos sentimentos e nos tratados que produzimos para defender pontos de vista ou nos detalhados relatos com que apresentamos nossas investigações.

Escrevemos para registrar, comprovar, transmitir, comunicar, expressar. Escrevemos para manter vivo o processo civilizatório.

A mesma diversidade de alcances serve também para tratarmos da leitura. Uma primeira distinção importante sobre a prática de ler consiste em distinguir duas dimensões básicas da leitura: a da compreensão e a da interpretação. De forma bem simples, pode-se dizer que a primeira trabalha mais com o nível da decodificação e dos conhecimentos de mundo compartilhados, o que remete ao plano dos significados pactuados entre os usuários de uma língua. Já a segunda lida com a associação do dito e compreendido com o não dito, remetendo ao nível dos sentidos produzidos por cada indivíduo.

Para evitar uma dispersão improdutiva, destaco quatro tipos de leituras que Geraldi (1990) identifica em nossas práticas sociais, porque estão mais presentes em nossa formação, especialmente na escolar.

A primeira é a leitura como forma de acessar conhecimentos, informações, ideias. A segunda é a leitura como estudo do texto, que será bastante praticada nesta disciplina. A terceira é a leitura como pretexto, na medida em que serve para a realização de outros movimentos. E a quarta é aquela à qual o referido autor chama de leitura para fruição do texto.

Para Lajolo (2004, p.7), “Ninguém nasce sabendo ler: aprende-se a ler à medida que se vive. Se ler livros geralmente se aprende nos bancos da escola, outras leituras se aprendem por aí, na chamada escola da vida”. A autora também destaca uma ampliação importante do conceito de leitura, que coloca o movimento de ler para além da decodificação de textos verbais: “Do mundo da leitura à leitura do mundo, o trajeto se cumpre sempre, refazendo-se, inclusive, por um vice-versa que transforma a leitura em prática circular e infinita (LAJOLO, 2004, p.7).

De acordo com Castro, Amorim e Cerdas (2018, p.259), Soares (2002) entende que “há uma dimensão individual e outra social do letramento, e que este último, por seu turno, poderia ser de caráter liberal ou progressista, por ela denominado de letramento fraco, ou de cunho radical ou revolucionário, que a autora designou como letramento forte”. Ainda segundo os mesmos autores, para Brito (2002), essa diferença de percepções de letramento estaria ligada a “disputas político-ideológicas, uma vez que serviria para demarcar a oposição entre concepções de ensino-aprendizagem: de um lado, as vertentes mais técnicas e pretensamente apolíticas; de outro, as que entendem o processo em sua dimensão socioeconômica e/ou histórico-cultural” (CASTRO, AMORIM e CERDAS, 2018, p.259).

Assim como a escrita, portanto, a leitura constitui uma prática indispensável para se estar no mundo, seja para o nosso funcionamento social, seja para a fruição, seja a formação de consciência, seja ainda para um pouco ou um muito das três funções.

2.       Pressupostos para o trabalho nesta disciplina

Lemos e escrevemos o tempo todo, em muitos suportes e com finalidades diversas. É uma sociedade totalmente ancorada na palavra escrita, da qual depende para existir em suas múltiplas dimensões e movimentos.

Nesta disciplina, assumimos que muitos estudantes brasileiros chegam ao ensino superior com um domínio de leitura e de escrita que costuma não ser suficiente para dar conta de ler e escrever o que lhes pedem os professores nos cursos de graduação.

Além disso, por uma série de condições que têm a ver principalmente com o caráter seletivo, e mesmo elitista, com que historicamente se desenvolveram as universidades brasileiras, os problemas de leitura e de escrita não têm sido sistematicamente enfrentados pelas instituições de ensino superior.

Desde os anos 1990, todavia, tem crescido a quantidade de estudos e de intervenções práticas relacionadas a entender e a enfrentar as dificuldades de leitura e de escrita que os graduandos apresentam. Creio que esse esforço tem a ver especialmente com a democratização dos cursos superiores e a tomada de consciência do seu papel formador por parte dos seus professores.

Muitos caminhos podem ajudar no enfrentamento dessas dificuldades com a leitura e a produção de textos estranhos ao universo com o qual os estudantes estavam habituados na Educação Básica. Em nossa disciplina, vamos assumir que, independentemente do grau de dificuldade encontrado por cada estudante, será preciso reconstruir as relações até então existentes com os atos de ler e de escrever. Para tanto, passo a apresentar algumas questões que têm a ver com essa necessária reconstrução.

2.1   Processos de aprendizagens incluem ações de reposicionamento diante de teorias e práticas

Adoto como princípio para as ações de ensino que um processo de aprendizagem inclui sempre, em maior ou menor grau, movimentos que nos levem a um novo posicionamento teórico e/ou prático diante do objeto de estudo. Embora, no senso comum, esteja propagada a convicção de que aprender significa acrescentar conhecimentos aos que já se possui, entendo que, de fato, o que acontece é uma reorganização ou reconfiguração dos nossos conhecimentos sobre algo. Mais do que isso: é um reposicionamento que fazemos em nossa relação com aquele objeto.

O resultado desse movimento se faz notar sob a forma de uma relação melhor, mais produtiva, mais satisfatória com o objeto de aprendizagem, mas o processo que leva até esse resultado muitas vezes exige que abandonemos nossas zonas de conforto, o que nem sempre se faz com facilidade.

A proposta que faço nesta disciplina aposta na capacidade e na disposição dos estudantes para a realização desse movimento de reorganização. Será preciso estar disposto a encarar a leitura e a escrita a partir de novos olhares, alimentados por novas concepções. Se você pretende melhorar suas práticas, provavelmente precisará reconstruir algumas, com as quais está habituado, e considerar, em suas escolhas, aspectos que até então não estavam presentes em suas tomadas de decisão.

2.2   Ler e escrever têm especificidades

A escrita se desenvolve junto com a leitura, mas cada uma tem seu percurso e suas especificidades. Este é um pressuposto que se adota no desenvolvimento da disciplina Leitura e Produção de Textos em Educação.

Não se pode pensar em produtores de textos que não sejam leitores. Isso, no entanto, não significa que um grau de domínio da leitura leve necessariamente ao mesmo grau de proficiência na escrita.

Este pressuposto serve para que você busque se reposicionar diante da cultura escrita com uma compreensão que lhe permita desenvolver estratégias próprias para a leitura e a escrita. Nem sempre o que funciona para uma dá certo com a outra.

2.3   Ler e escrever são processos

Há uma perspectiva bastante difundida em nossa sociedade, que costumamos absorver na Educação Básica, de que a leitura e a escrita se produzem de uma forma automática, em uma espécie de sucessão de ações cognitivas dispostas de forma linear: Leio > Compreendo; Penso > Escrevo.

Na verdade, tanto para ler quanto para escrever há muito mais em jogo. Não se trata de acionar mecanismos lógicos e conhecimentos de mundo a partir de palavras e para chegar a elas. Trata-se de algo mais complexo, que inclui etapas e movimentos diversos, muitos dos quais precisam ser refeitos várias vezes, a fim de que se alcance a leitura e a produção textual pretendida.

Esse deslocamento em relação ao senso comum ajuda a entender que leitura e escrita se constituem como processos com complexidades próprias. Quando alguém manifesta desconforto com a qualidade da sua leitura e da sua escrita, a primeira hipótese a considerar é: Até que ponto essa pessoa está lidando com o desafio de ler e de escrever a partir de uma compreensão das suas complexidades? Será que o desconforto não se origina de uma compreensão reduzida, que faz a pessoa pensar que as dificuldades são dela, e não inerentes aos processos?

Propõe-se, então, que se adote como pressuposto que ler e escrever não são tarefas simples, que podem ser feitas a qualquer momento, em quaisquer circunstâncias, com resultados satisfatórios.

Outros pressupostos poderiam ser adotados, mas considerei suficiente apontar esses três, para o início de um trabalho que promoverá movimentos de mudança de atitudes e de práticas. Em síntese, proponho que trabalhemos com esses princípios teórico-práticos:  (1) aprendizagens dependem de mudanças de posicionamento; (2) as práticas de leitura e de escrita se desenvolvem com percursos que podem e devem estar articulados, mas que têm autonomia; (3) ler e escrever são processos que demandam movimentos e intervenções conscientes da nossa parte, não se lê nem se escreve de forma automática.

Caba uma última, mas não menos importante, base para as nossas ações. Trabalhamos com a convicção de que as pessoas que chegaram ao curso superior sabem ler e escrever. O desafio que esta disciplina propõe tem a ver com o desenvolvimento dessas capacidades e do seu uso dentro do domínio discursivo da academia. Não se trata, pois, de zerar percurso nem de reparar defeitos, mas sim de seguir aperfeiçoando habilidades. Neste sentido, o maior desafio para se alcançar o domínio das práticas de leitura e de escrita próprias do mundo acadêmico consiste em tornar-se um efetivo participante da comunidade discursiva em que essas práticas ocorrem.

 

 

 

 

Referências

BRITTO, L. P. L. À sombra do caos: ensino de língua x tradição gramatical. Campinas:

Mercado das Letras, 2002.

CASTRO, M.M.C. e.; AMORIM, R.M.A.; CERDAS, L. O Conceito de letramento e as práticas de alfabetização. IN: Revista Contemporânea de Educação. v. 13, n. 27, maio/ago. 2018. http://dx.doi.org/10.20500/rce.v13i27.16691

GERALDI, João Wanderley. Prática da Leitura de Textos na Escola. IN: GERALDI, João Wanderley (Org.). O Texto na sala de aula: leitura e produção. Cascavel: Assoeste, 1990.

LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. São Paulo: Ática, 2004.

SOARES, M. B. Língua escrita, sociedade e cultura: Relações, dimensões e perspectivas. IN: Revista Brasileira de Educação. Set/Out/Nov/Dez 1995 N º 0. http://anped.tempsite.ws/novo_portal/rbe/rbedigital/RBDE0/RBDE0_03_MAGDA_BECKER_SOARES.pdf

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 3.ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.

 

Leitura e Produção de Textos em Educação: Atividade 1 - Memorial de Entrada - 2023-1

 

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Curso de Pedagogia

Departamento de Didática

Disciplina: Leitura e Produção de Textos em Educação

Código: EDD 614

Professor Dr. Marcelo Macedo Corrêa e Castro

 

 

Atividade 1: Memorial de entrada

 

                Nos últimos trinta anos aproximadamente, os estudos e as ações voltadas para a formação de professores têm dedicado bastante atenção à escrita de caráter autobiográfico como uma prática produtiva para o desenvolvimento profissional de docentes. Ao narrar suas experiências, os professores se aproximam de uma tomada de consciência sobre suas trajetórias, o que favorece tanto o exercício de reflexões sobre escolhas feitas e quanto a busca de aperfeiçoamento de práticas.

                Como defende Cunha (1997, p.190),

A perspectiva de trabalhar com as narrativas tem o propósito de fazer a pessoa tornar-se visível para ela mesma. O sistema social conscientemente envolve as pessoas numa espiral de ação sem reflexão. Fazemos as coisas porque todos fazem, porque nos disseram que assim é que se age, porque a mídia estimula e os padrões sociais aplaudem. Acabamos agindo sobre o ponto de vista do outro, abrindo mão da nossa própria identidade, da nossa liberdade de ver e agir sobre o mundo, da nossa capacidade de entender e significar por nós mesmos. Para o educador esta perspectiva é fatal, porque não só ele se torna vítima destes tentáculos, como não consegue estimular seus discípulos a que se definam a si mesmos como indivíduos.

Com base em compreensões dessa ordem, passou-se a estimular os professores em formação, inicial ou continuada, a produzirem narrativas sobre suas vidas como um todo, com destaque para suas trajetórias profissionais. Um gênero textual ganhou destaque nessas produções: o Memorial.

Bastante presente no mundo acadêmico, o Memorial consiste em uma narrativa comentada de um dado percurso histórico. Em concursos para ingresso nas instituições de ensino superior, os professores produzem memoriais sobre suas carreiras, nos quais comentam uma trajetória que está contada apenas por meio de informações em seus currículos profissionais. É uma forma de relacionar feitos e fatos com motivos e consequências.

Para Severino (2007, p.241),

Um memorial constitui, pois, uma autobiografia, configurando-se como uma narrativa simultaneamente histórica e reflexiva. Deve então ser composto sob a forma de um relato histórico, analítico e crítico, que dê conta dos fatos e acontecimentos que constituíram a trajetória acadêmico-profissional do seu autor, de tal modo que o leitor possa ter uma informação completa e precisa do itinerário percorrido. Deve dar conta também de uma avaliação de cada etapa, expressando o que cada momento significou, as contribuições ou perdas que representou.

Para um trabalho de formação, o chamado Memorial de Entrada tem sido usado com sucesso no que se refere não só a produzir alguma espécie de avaliação diagnóstica dos sujeitos em formação, como também para estabelecer, desde o início, um protagonismo dos formandos em seus processos de aprendizagem. Ao narrarem suas histórias, por um lado, os formandos dizem como se apropriaram de suas experiências e, por outro, assumem um lugar de fala próprio para a atividade dialógica de formação. Como afirma Cavaco (2002, p.48): “O que as pessoas dizem na sua narrativa está também dependente dos contextos, expressam o que pensam, o que acham que os outros pensam de si, falam do que são e do que gostariam de ter sido e interligando todas estas vertentes constróem uma narrativa coerente, que diz respeito ao significado que atribuem à sua vida”.

Vamos, portanto, lançar mão das possibilidades que nos oferece a escrita do Memorial de Entrada. Para participar melhor da atividade, fiz o meu, que não está aí para servir de modelo. Como, todavia, uma marca identitária da escrita acadêmica consiste no monitoramento da sua forma, embora a escrita do Memorial envolva um grau de liberdade de escolha e de estilo, vamos tentar demarcar alguns limites para o produto final dessa elaboração.

Seus memoriais devem tratar das suas relações com a leitura e a escrita como um todo, com referência específica ao ambiente escolar. Além disso, peço que escrevam sobre as práticas de ler e de escrever na graduação. Em termos de forma, proponho que escrevam textos com até mil palavras, adotandos os seguintes parâmetros: letra Times New Roman 12; margens direita, inferior e superior = 2,5cm; margem esquerda = 3cm; parágrafo justificado, com afastamento de 1,25cm na primeira linha e espaço de 1,5 entre as linhas. Não se esqueçam de colocar o cabeçalho, que pode ser o mesmo que usei neste texto, acrescido do seu nome e da data da realização da tarefa.

 

Referências

 

CAVACO, C. Aprender fora da escola: percursos de formação experiencial. Lisboa: Educa, 2002.

 

CUNHA, M. I. da. CONTA-M E AGORA! as narrativas como alternativas pedagógicas na pesquisa e no ensino Revista da Faculdade de Educação, São Paulo: USP, v.23, n.1/2, p.185-195, jan./dez. 1997. LINK para o texto de CUNHA:  https://doi.org/10.1590/S0102-25551997000100010

 

SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23ª ed. São Paulo: Cortez, 2007.

 

 

 

Leitura e Produção de Textos em Educação: Programa da disciplina para 2023-1

 

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Curso de Pedagogia

Departamento de Didática

Disciplina: Leitura e Produção de Textos em Educação

Código: EDD 614 (3 créditos – 45 horas semestrais)

Professor Dr. Marcelo Macedo Corrêa e Castro

Primeiro Período de 2023 – de 4 de abril a 11 de julho

 

Programa

 

Ementa: Leitura e escrita como práticas sociais. Contextualização e caracterização geral da produção textual acadêmica. Gêneros textuais acadêmicos predominantes na área de educação. Gêneros de leitura e de escrita solicitados aos estudantes nos cursos de graduação. Condições, estratégias e processos de leitura e de produção textual de gêneros acadêmicos.

 

Objetivos: Com as atividades desenvolvidas nas aulas da disciplina, pretende-se que os estudantes:

(1)     aumentem seus conhecimentos acerca das práticas sociais de leitura e de escrita;

(2)     reconheçam as principais características da produção textual acadêmica;

(3)     reconheçam as principais características dos gêneros acadêmicos de maior circulação na área de educação;

(4)     desenvolvam estratégias de leitura e de produção dos gêneros acadêmicos solicitados em seus percursos de formação.

 

Conteúdos:

1.       Práticas sociais de leitura e de escrita

a.       Sentidos da escrita

b.       Relações entre leitura e escrita

2.       Produção textual acadêmica

a.       Gêneros acadêmicos: leitura

b.       Gêneros acadêmicos: produção escrita

3.       Textos acadêmicos da área de educação

a.       Gêneros mais frequentes: leitura

b.       Gêneros mais frequentes: escrita

4.       Ler e escrever

a.       Condições de produção da leitura e da escrita

b.       Estratégias e processos de leitura

c.        Estratégias e processos de escrita

 

Pressupostos

 

1.       Leitura e escrita serão tratadas como processos que se entrecruzam, mas também possuem características próprias.

2.       O domínio da escrita não será considerado uma decorrência lógica e inevitável do domínio da leitura.

3.       O foco das discussões e das atividades serão os textos acadêmicos que circulam na área de educação.

 

 

 

Metodologia: A disciplina será desenvolvida com base em dois focos: as relações dos estudantes com a leitura e a escrita, considerando-se não só as suas experiências no âmbito acadêmico, como também as demandas específicas de leitura e produção textual oriundas do processo de formação no ensino superior. Pretende-se também que os estudantes desenvolvam suas capacidades de leitura e escrita a partir de um movimento de inserção teórico-prática em processos de investigação. Para tanto, além das práticas de leitura e de produção textual solicitadas a todos, será proposto a cada estudante que desenvolva um projeto individual de escrita, de forma a defrontar-se com as situações reais da leitura e da escrita acadêmica sob a perspectiva do investigador.

 

Avaliação: Para a avaliação será considerado o cumprimento do disposto na legislação acerca da frequência, bem como a realização dos trabalhos específicos que venham a ser solicitados.

 

1.       Projeto Individual - Ao longo da disciplina, cada estudante deverá realizar um projeto individual de produção textual. Essa atividade deverá demandar a realização de etapas típicas da produção acadêmica. Pode ser a produção de um anteprojeto de monografia, de um capítulo do trabalho de conclusão de curso, de um ensaio ou artigo de opinião sobre tema em estágio inicial de investigação ou até mesmo de um artigo relacionado a processo de investigação com alguma etapa concluída.

 

2.       Portfólio - Além dessa produção individual, haverá atividades de leitura e escrita a cada aula. Com o conjunto dessas atividades, cada estudante deverá compor um portfólio, no qual poderá incluir produções não solicitadas pelo professor. O Memorial de Entrada e o Memorial de Saída deverão obrigatoriamente integrar o portfólio.

 

3.       Autoavaliação - Ao final da disciplina, cada estudante atribuirá uma nota ao seu desempenho na disciplina.

 

4.       Avaliação do professor - Ao final da disciplina, o professor atribuirá uma nota ao seu desempenho de cada estudante na disciplina.

 

Bibliografia

 

COSTA, Deborah & SALCES, Claudia D. de. Leitura e produção de textos na universidade. Campinas:São Paulo, Editora Alínea, 2013.

DIONÍSIO, Maria de Lourdes e FISCHER, Adriana. Perspectivas sobre Letramento(S) no Ensino Superior: Objetos de Estudo em Pesquisas Acadêmicas. ATOS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO - PPGE/ME FURB ISSN 1809-0354 v. 6, n. 1, p. 79-93, jan./abr. 2011.

FIAD, Rachel. A Escrita na Universidade. Revista da ABRALIN, v. Eletrônico, n. Especial, p. 357-369. 2ª parte 2011. Disponível em: <www.abralin.org/revista/RVE2/14v.pdf>. Acesso em: 25 de julho de 2015.

KROKOSCZ, Marcelo.  Abordagem do plágio nas três melhores universidades de cada um dos cinco continentes e do Brasil.  Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 48 set.-dez. 2011. P. 745-768.

MARINHO, Marildes. A escrita nas práticas de letramento Acadêmico. Revista Brasileira de Linguística Aplicada. Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 363-386, 2010.

MOTTA-ROTH, Désirée. E HENDGES, Graciela Rabuske. Produção textual na universidade. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

 

STREET, Brian. Academic Literacies approaches to  Genre?*Abordagens de gênero para letramentos acadêmicos? Brian King’s College London   Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 347-361, 2010.

 

SEVERINO, Antonio José. Metodologia do trabalho científico. 23a ed. São Paulo: Cortez, 2007.

 

VAL, Maria das Graças Costa. Redação e textualidade. 3ª ed. SP: Martins Fontes, 2006.

terça-feira, 25 de agosto de 2020

PLE - Tema 5 – Gêneros de registro e memória: fichamento, resumo e resenha

 

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Curso de Pedagogia

Departamento de Didática

Disciplina: Leitura e Produção de Textos em Educação

Código: EDD 614

Professor Dr. Marcelo Macedo Corrêa e Castro

Período Letivo Excepcional – 24 de agosto a 16 de novembro de 2020

 

 

Texto do Tema 5 – Gêneros de registro e memória: fichamento, resumo e resenha

 

 

Neste texto, vou tratar de três gêneros que agrupei na categoria que abarca os textos que servem principalmente como registro e memória. Na primeira seção, trato do fichamento. Na segunda, examino comparativamente o resumo e a resenha. Como o texto é mais extenso do que o de outras aulas, você pode optar por ler cada seção isoladamente, e não o texto todo de uma vez.

1.       Fichamento

Começo por um gênero básico, de baixa complexidade, que, todavia, tem gerado algum desconforto para estudantes de graduação: o fichamento. Gênero típico de processos de investigação, o fichamento tem ocupado o lugar das chamadas “ferramentas pedagógicas” (DIONÍSIO e FISCHER, 2011, P.7), “aqueles textos que servem de mediadores dos processos de ensino e aprendizagem, nestes se incluindo a avaliação”. Isto porque uma quantidade considerável de docentes de graduação solicita de seus estudantes a produção de fichamentos com a finalidade única de aumentar a responsabilidade dos discentes com a tarefa de ler textos. Em outros termos, a entrega do fichamento ao professor serve como prova de que o estudante leu o texto solicitado.

Com todo o respeito à liberdade que cada um deve ter para ensinar, considero que a produção de fichamentos como tarefa de comprovação de leitura constitui uma tarefa com baixo potencial de contribuição para o desenvolvimento da escrita acadêmica, embora possa contribuir para as discussões em sala de aula ou levar o estudante a aprender a fazer fichamento, com vistas a ações futuras de pesquisa.

No primeiro caso – fazer fichamento para provar que leu o texto – os estudantes mantêm com a escrita uma relação idêntica à da Educação Básica, em que predominam a ausência de autoria, o alto grau de monitoramento externo e a destinação exclusivamente escolar. No segundo caso – fichar o texto para debatê-lo em sala – o estudante produz um gênero para uma função diferente daquela a que ele se destina primariamente. No último caso – fazer o fichamento para aprender a fazer fichamento – reproduz-se o que tem sido um dos maiores problemas no ensino de gêneros textuais e/ou discursivos: o da sua abordagem restrita ao instrumental e, por conseguinte, descontextualizada.

Para que sejam superados esses desvios e limitações, é preciso tratar do fichamento em seu contexto efetivo de constituição: os processos de investigação, sejam eles estudos mais primários ou projetos de maior complexidade.

Começo a contextualização antecipando um pouco do que será tratado na seção relativa ao gênero resumo. Para tanto, destaco que um processo de investigação científica envolve, em seus primeiros movimentos, um levantamento da produção bibliográfica existente que possa se relacionar com o tema a ser estudado. Esse levantamento, feito em bases de dados, usando palavras-chaves, leva à identificação de diversos títulos que podem ter relação com o que se quer pesquisar. Como ter certeza dessa relação? Se não houver um resumo do texto, a única saída é ler praticamente tudo.

Por isso, um resumo costuma apresentar, em 150 a 300 palavras, no caso de artigos publicados em periódicos, os elementos básicos de uma investigação - objeto de estudo, objetivos, procedimentos metodológicos, referencial teórico, principais resultados -, o que permite a um pesquisador definir com mais rapidez quais textos do seu levantamento bibliográfico devem ser lidos.

Partindo desse pressuposto, é possível situar o fichamento como um gênero que integra um grupo de textos, como o resumo, por exemplo, que servem como memória de leitura, permitindo que, ao longo de um estudo, seja possível recuperar o que consideramos de mais relevante nos diversos textos lidos.

Nesse sentido, o fichamento seria o mais básico registro de leitura, consistindo na identificação de partes do texto que interessam ao pesquisador. Orginalmente realizado em fichas de cartolina – o que explica o seu nome -, o fichamento atualmente pode ser feito com destaque de trechos, seja em versões reprografadas (xerox), seja em versões eletrônicas. Em sua forma mais simples, não exige nenhuma intervenção de escrita para além de marcar partes, seja sublinhando, destacando ou, se o autor achar melhor, copiando.

Severino (2012) refere-se ao fichamento como a produção de fichas de documentação, destacando inicialmente a ação individual de um pesquisador:

Passa-se para a ficha alguma passagem completa do texto que se lê, caso em que se deve transcrever ao pé da letra, colocando-se tudo entre aspas e citando a fonte; em outros casos faz-se apenas a síntese das ideias em questão; nesta hipótese, as aspas  são dispensadas, mas mantém-se a citação de fonte. Conforme o hábito pessoal, a transcrição nas fichas será feita interrompendo-se a leitura (o que é mais aconselhável) ou, então, primeiramente será feita uma leitura completa do texto pesquisado, assinalando-se levemente as passagens importantes, transcrevendo-as a seguir (p.146-147).

Adiante, o autor descreve as fichas como produtos em muito semelhantes àquelas utilizadas para consulta em bibliotecas, organizadas por autor, assunto e título da obra: “As fichas de documentação contêm, além do corpo da citação e referências indicadoras da fonte, um título e um subtítulo que permitem identificá-las e classificá-las” (p.147).

Por fim, Severino (2012) destaca que as fichas podem ajudar no compartilhamento de leituras em grupos de pesquisa e também abrem espaço para comentários nas fichas: “Durante a pesquisa [...] o leitor sempre pode ter ideias próprias sobre algum dos tópicos. As fichas de documentação servem também para registrar essas ideias, que, se não forem logo gravadas, acabam se perdendo” (p.147).

Henriques e Simões (2004, p.32), por seu turno, definem fichamento como: “tomada de nota de determinada obra que resulta em extração de fragmentos do texto lido, seguida de indicação de página e, se possível, de linha, para facilitar a posterior rememoração da obra consultada ou a utilização dos trechos ‘recortados’”.

Em uma síntese bastante simplificadora, o fichamento pode ser assim caracterizado:

1.                  Trata-se de um registro de leitura, dentro de um processo de estudo de caráter acadêmico.

2.                  Sua finalidade principal no processo é permitir a recuperação, a qualquer tempo, de trechos/ideias/informações relevantes para o estudo.

3.                  A escolha daquilo que vai ser destacado está relacionada diretamente aos focos de interesse do estudo.

4.                  Para cumprir plenamente sua função, deve conter, além dos trechos destacados, os elementos de identificação do texto, para futura inclusão nas referências consultadas para a elaboração do estudo.

5.                  Considerando os suportes mais empregados para a leitura de textos acadêmicos, o fichamento pode ser realizado com a simples aplicação de iluminadores, físicos ou virtuais (como o pincel usado para marcar textos em formato pdf), nas partes a destacar do texto fichado.

2.       Resumo e Resenha

Há dois outros integrantes do grupo dos gêneros acadêmicos aos quais atribuo a função de registro e memória de leitura que ocupam lugar destacado nas práticas de escrita da graduação: a resenha e o resumo. Optei por tratar dos dois em uma mesma seção porque, em meus estudos, encontrei muitos indicadores de dificuldades enfrentadas por docentes e estudantes no estabelecimento das características específicas de cada um desses dos gêneros.

Tais indicadores estão presentes na própria literatura produzida para tratar dos gêneros acadêmicos. Ao compulsar três obras dirigidas a estudantes universitários, duas delas adotadas por diferentes instituições de ensino superior (IES) da cidade do Rio de Janeiro, encontrei as seguintes definições de resenha.

Resenha (também chamada resenha crítica): trata-se de um fichamento mais sofisticado, uma vez que o “recorte” do texto do autor deverá vir acompanhado de comentários do leitor, concordando, discordando, acrescentando dados, baseados noutras experiências de leitura ou participações em sessões de discussão especializadas, etc (HENRIQUES e SIMÕES, 2004, p.33).

Uma primeira abordagem, portanto, estabelece a elaboração crítica como traço constituinte da resenha, definida como um “fichamento mais sofisticado”, podendo o seu autor “acrescentar dados” aos do texto resenhado.

Em outra obra, registra-se um reforço à visão de que uma resenha é, por definição, crítica: “A primeira informação que se precisa saber é que resenhar significa analisar, descrever, comentar e enumerar os aspectos relevantes de um objeto, apresentando, de maneira crítica, uma síntese das ideias fundamentais da obra” (COSTA e SALCES, 2013, p. 241).

Nessa segunda publicação, porém, não bastasse a diversidade das ações relacionadas à resenha, no parágrafo seguinte, as autoras aumentam a complexidade da tarefa de resenhar, quando explicam melhor como se caracteriza o gênero em questão.

Podemos encontrar dois tipos de resenha. A resenha pode ser puramente descritiva, isto é, sem nenhum julgamento ou apreciação do resenhista; ou ser crítica, pontuada de apreciações, notas e correlações estabelecidas pelo juízo crítico de quem a elaborou. Já a resenha crítica é a apresentação do conteúdo de uma obra com os apontamentos críticos e uma avaliação pessoal do resenhista sobre a obra (COSTA e SALCES, 2013, p. 242).

Em livro organizado por Cassano (2011, p.183), encontra-se distinção semelhante à apontada pelas autoras que acabei de citar:

Resenhas são gêneros muito solicitados no meio acadêmico. De um modo geral, elas são de dois tipos:

Resenha simples – resumo de uma obra (livro literário ou não, peça teatral, filme). O resultado é um texto meramente informativo.

Resenha crítica – resumo de uma obra acompanhado de uma avaliação em que aspectos positivos e/ou negativos são apontados. O resultado é um texto que mescla informação e opinião.

Além de afirmar que as “resenhas são gêneros”, o que permite ao leitor compreender que cada tipo de resenha na verdade constitui um gênero com suas particularidades, o texto apresentado suscita outra dúvida - se, de acordo com a lição, a resenha simples é um resumo informativo e a resenha crítica é um resumo opinativo, cabe perguntar: em que a resenha, pelo menos a simples, difere do resumo como gênero acadêmico? E, também: existe resumo opinativo?

Severino (2007, p.204) informa: “Resenha, recensão de livros ou análise bibliográfica é uma síntese ou um comentário dos livros publicados feito em revistas especializadas das várias áreas da ciência, das artes e da filosofia”. Mais adiante (p.205), ao explicitar os tipos de resenha que identifica, segue a tendência, aqui já apontada, de subdividir o gênero em função da presença da informação e da crítica:

Uma resenha pode ser puramente informativa, quando apenas expõe o conteúdo do texto; é crítica quando se manifesta sobre o valor e o alcance do texto analisado; é crítico-informativa quando expõe o conteúdo e tece comentários sobre o texto analisado.

Para prosseguir com a discussão, recorro ao Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, no qual leio o seguinte verbete para resenha:

1 descrição feita com detalhes, com pormenores 2 contagem, conferência, verificação 3 JOR tipo de resumo de texto de extensão maior que a da sinopse 4 JOR análise crítica ou informativa de um livro; recensão 5 JOR notícia jornalística que desce a detalhes da ocorrência e a analisa por diversos ângulos 6 JOR sinopse geral do que de fundamental ocorreu em determinado período, em matéria de noticiário (HOUAISS e VILLAR, 2001, p, 2436)

As acepções listadas no verbete indicam não só a predominância de uma perspectiva jornalística para o gênero resenha, como também sua amplitude no que diz respeito às ações de quem a escreve; amplitude fartamente confirmada pelos sinônimos apresentados para resenha ao final do verbete: “descrição, enumeração, exposição, levantamento, narração, notícia, panorama, recensão, relação, relato, revista”.

No caso dos cursos de graduação, vale destacar a conclusão de Marinho (2010, p.376):

Ao ouvir os depoimentos e acompanhar situações de sala de aula de alunos da universidade em que trabalho, fica evidente que uma das dificuldades que eles enfrentam é a de entender que concepções e expectativas têm os seus professores quando lhes demandam uma tarefa de leitura ou de escrita. A concepção de resenha, de resumo, de fichamento – textos muito solicitados aos alunos – de um professor de Psicologia da Educação pode ser bem diferente daquela esperada por um professor de Didática ou de Filosofia. [...] Além de nem sempre o aluno ter uma concepção clara do que seja um determinado gênero, principalmente quando se trata de produção e não de leitura, também o professor não costuma explicitar de forma suficiente a sua concepção. Na maioria das vezes, ele apenas solicita “façam uma resenha, um fichamento, um artigo”, supondo que esses conceitos são suficientemente claros e operacionais para que o aluno realize a sua tarefa.

Para aumentar a complexidade da questão, a resenha passou a figurar como gênero em periódicos acadêmicos. Nesse caso, porém, como veremos a seguir com o gênero resumo, há uma definição amplamente consensual de que a resenha publicada contenha algum nível de apreciação crítica da obra resenhada.

Esse quadro se repete no que se refere ao resumo, com uma diferença em relação à resenha, uma vez que há maior consenso quanto ao caráter informativo/descritivo do resumo. Antes de mais nada, todavia, faz-se necessário apontar uma diferença importante na produção e na circulação do resumo na comunidade discursiva da pesquisa e do ensino superior.

Severino (2007, p.204) chama a atenção para dois tipos básicos de resumo que são produzidos nas universidades. Primeiro, o autor afirma que o resumo é uma “síntese”, na qual, com suas “próprias palavras, o estudante mantém-se fiel às ideias do autor sintetizado”. Logo a seguir, adverte: “Não se deve confundir este resumo/síntese, muitas vezes exigido como trabalho didático, com o resumo técnico-científico”.

De fato, circulam com mais intensidade duas abordagens do resumo nas práticas de escrita acadêmica. Uma trata o gênero como uma síntese de ideias/informações de um texto, podendo ou não conter alguma apreciação crítica, desde que o autor do resumo estabeleça clara fronteira entre o que faz parte do texto resumido e o que é a sua opinião sobre ele. Essa abordagem predomina nas atividades propostas aos estudantes, principalmente aos de graduação. A outra diz respeito às exigências de que publicações acadêmicas, principalmente as de maior complexidade e extensão, como artigos, monografias, dissertações e teses, contenham, antes do texto principal, um resumo. Essa segunda abordagem possui definições bastante estabilizadas e gera menos variações de encaminhamento quanto a suas características formais e funções discursivas.

As duas abordagens justificam-se em razão das suas condições de produção e de circulação. No primeiro caso, são exercícios de síntese produzidos por estudantes em processo de formação, voltados para o desenvolvimento de habilidades mais de leitura do que de escrita, como salienta Severino (2007, p.204): “Não se trata propriamente de um trabalho de elaboração, mas de um trabalho de extração de ideias, de um exercício de leitura”.

Costa e Salces (2013, p.237) reforçam esse caráter não crítico-interpretativo do resumo, ao recomendarem: “No resumo, você vai expor as ideias que o autor expressou de maneira sintetizada com suas palavras, sem modificá-las  ou emitir opiniões, isto é, você deve ser fiel ao texto original ou realizar paráfrase”.

Logo a seguir, as autoras reforçam a importância da leitura na produção do resumo, evidente nas quatro etapas que sugerem para a sua elaboração:

1.              Ler o texto do início ao fim, sem interrupções, procurando responder: do que trata o texto?

2.              Realizar uma segunda leitura do texto com a finalidade de entender melhor as frases complexas e buscar o significado no dicionário de palavras desconhecidas.

3.              Numa terceira leitura, realizar a segmentação do texto. Dividindo-o em blocos temáticos ou de ideias que tenham unidade de significação.

4.              Nesta última etapa, redija o resumo com suas próprias palavras, procurando sintetizar as ideias dos blocos destacados na ordem em que forem apresentados.

Destaque-se que as autoras propõem três movimentos de leitura (1.ler, 2.segunda leitura, 3.terceira leitura) e apenas um predominantemente de escrita (4.redigir).

Para encerrar essa primeira parte, cito Henriques e Simões (2004, p.34):

Resumo: apesar de sua frequência no trabalho escolar desde as séries do ensino fundamental, o resumo não é uma tarefa das mais simples, pois demanda a existência prévia da leitura integral de um texto, da assimilação das ideias do autor, do amadurecimento do conteúdo, para, por fim, produzir-se um novo texto que abrigue as ideias fundamentais do texto lido.

Feitas essas referências, defendo, portanto, que o resumo que se pede aos estudantes como tarefa consiste basicamente em um texto sem marcas crítico-interpretativas, em que está sintetizado o conteúdo de um texto lido.

No que diz respeito à segunda abordagem ou concepção de resumo aqui identificada, considero que há menos divergências e desafios. Em primeiro lugar, trata-se de um tipo de resumo produzido por autores que já possuem inserção no mundo da investigação científica e, por conseguinte, maior domínio dos gêneros acadêmicos.

Em segundo lugar, a necessidade de partilhar informações básicas nos processos de investigação tem contribuído expressivamente para que a comunidade acadêmica construa modelos de resumo sobre os quais há consenso razoável ou mesmo alto.

Diante de uma intensa e crescente circulação de textos acadêmicos, o resumo consiste em elemento textual indispensável para que se faça a escolha dos textos que serão efetivamente lidos em um processo de revisão de literatura. Além disso, o resumo, ao antecipar conteúdo e organização do texto, facilita a localização de partes específicas.

Isso acabou levando a uma padronização dos resumos que constam de textos acadêmicos publicados. Severino, por exemplo, as nomeia assim: “o objeto tratado, os objetivos visados, os procedimentos metodológicos adotados e as conclusões a que se chegou” (2007, p.209).

Já Costa e Salces (2013, p.238) destacam que, em textos acadêmicos, “o resumo limita-se a um parágrafo, devendo incluir palavras representativas do assunto (palavras-chave) resumindo seu conteúdo e mostrando as ideias relevantes do texto”. Ainda na mesma página, informam que, segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), os resumos de “notas e comunicações breves” devem conter até 100 palavras; os de monografias e artigos, até 250; os de relatórios e teses, até 500. À semelhança dos elementos apontados por Severino, as autoras indicam que o conteúdo desses resumos se componha de: “assunto do texto, objetivo, métodos, critérios utilizados, conclusões do autor da obra resumida” (p.238).

Muitos fatores convergem para a adoção de formatos padronizados para os resumos de publicações acadêmicas, mas considero que os principais estão todos ligados à necessidade de produzir trocas, juízos e escolhas confiáveis por parte dos sujeitos e instâncias que compõem essa comunidade discursiva. No entanto, embora a grande maioria desses sujeitos atue também no ensino de graduação, neste nível as práticas de propor, produzir e avaliar resumos são muito mais diversificadas.

Para concluir, primeiro apresento a seguinte síntese.

1.       Resenha e resumo são gêneros diretamente ligados à função de registrar e de recuperar leituras de textos, seja para quem os leu, seja para compartilhamento.

2.       Nas publicações acadêmicas - como trabalhos de conclusão, dissertações, teses e artigos – o resumo cumpre a função de apresentar os elementos básicos do trabalho e a estrutura do texto, não só para favorecer a decisão de se ler ou não o texto, como também para permitir aos seus leitores a mais fácil localização de elementos no texto, bem como a antecipação de expectativas quanto ao seu conteúdo, que constituem, nesse caso, fatores positivos para a coerência e a coesão no processo de leitura.

3.       Também a resenha assume um formato mais padronizado quando publicada em periódicos acadêmicos, configurando-se claramente como uma síntese de cunho mais livre do que o resumo no que tange ao seu caráter crítico-interpretativo.

4.       Embora definidos nas publicações, com seus traços específicos bastante padronizados, os dois se confundem nas práticas de produção textual do ensino superior, principalmente nas atividades dos cursos de graduação.

5.       A maior dificuldade para o estabelecimento das diferenças entre os dois consiste na presença da apreciação crítico-interpretativa, prevalecendo a visão que propõe que o resumo seja estritamente descritivo, ao passo que a resenha pode conter comentários e juízos de valor.

 

Respeitada a diversidade de contextos e a liberdade de construções de práticas por parte dos sujeitos, defendo que, principalmente nas práticas de produção textual da graduação, os sujeitos considerem sempre, em primeiro lugar, as funções do gênero, antes de pensar em suas características formais, visto que estas estão indissociavelmente ligadas àquelas,

Antes de buscar traços da superfície textual que permitam diferenciar resenhas de resumos, devemos - os professores, em especial - nos perguntar para que serve cada escrita proposta. Que habilidades terão seu desenvolvimento estimulado com a sua realização? O quanto a sua prática contribuirá para a inserção dos estudantes na comunidade discursiva e no próprio modo de produzir conhecimento das universidades? Que circulação terá aquele texto?

Por uma questão de economia, defendo que os dois gêneros sejam distinguidos da seguinte forma.

A resenha consiste em uma síntese de elementos básicos do texto lido, apresentada de forma comentada, contendo, pois, uma dimensão crítico-interpretativa. Sua função básica é registrar como se apreciou uma obra lida, seja para que o autor da resenha possa recuperar posteriormente a leitura que fez, seja para compartilhar essa leitura com outros que tenham lido ou venham a ler o texto resenhado.

O resumo, em sua abordagem mais ampla, consiste na síntese de elementos básicos do texto lido, apresentada de forma objetiva, isenta, nos termos do autor do resumo, mas sem a dimensão crítico-interpretativa. Sua função básica é extrair ideias e informações de um texto, habilidade indispensável a quem se dedica à produção científica.

O resumo, em sua abordagem em publicações acadêmicas, compõe-se de elementos básicos do texto lido, sendo eles necessariamente alguma variação de um conjunto predeterminado de elementos do estudo apresentado no texto, aqui elencado como: objeto, objetivos, referenciais teóricos e metodológicos, procedimentos metodológicos, conclusões. Costuma ser apresentado em pelos menos uma língua estrangeira, sendo o Inglês a mais frequente no caso de publicações brasileiras, e, ao seu final, são listadas de três a cinco palavras-chaves. Sua função básica é oferecer ao leitor elementos que lhe permitam decidir-se sobre a pertinência do texto para seus estudos e, consequentemente, a importância de fazer uma leitura completa daquela produção. Adicionalmente, permite que os leitores do texto tenham conhecimento prévio dos conteúdos abordados e da sua estruturação no texto, o que é desejável na leitura de textos acadêmicos.

Quanto ao trabalho com gêneros acadêmicos em sala de aula de graduação, defendo como princípio fundamental o de que haja uma situação real de produção, e não somente a prática voltada para o domínio formal de cada escrita. Assim, os estudantes precisam estar envolvidos com uma atividade que demande a produção dos gêneros.

3.       Síntese final

Fichamento, resumo e resenha constituem gêneros destinados registrar elementos básicos de um texto lido. A exemplo do que se usa para estruturar textos jornalísticos, podemos produzir e localizar esses elementos recorrendo a perguntas: Objeto (o quê?), objetivos (para quê?), referenciais teóricos e metodológicos (com base em quê?), metodologia (como?) e resultados (o que se espera alcançar? ou o que se alcançou?).

Se a intenção consiste apenas em localizar elementos, basta um fichamento. Se for sintetizá-los e um texto, cabe produzir um resumo. Se, por fim, o que se pretende é produzir uma síntese comentada desses elementos, o mais recomendável é escrever uma resenha.

 

Referências

 

CASSANO, Maria da Graça (Org.). Práticas de leitura e escrita no ensino superior. Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2011.

COSTA, Deborah; SALCES, Claudia D. de. Leitura e produção de textos na universidade. Campinas, SP: Editora Alínea, 2013.

DIONÍSIO, Maria de Lourdes; FISCHER, Adriana. Perspectivas sobre letramento(s) no ensino superior: objetos de estudo em pesquisas acadêmicas. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 1, p. 79-93, jan./abr. 2011.

HENRIQUES, Cláudio C.; SIMÕES, Darcília M. P. A redação de trabalhos acadêmicos: teoria e prática. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MARINHO, Marildes. A escrita nas práticas de letramento acadêmico. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 363-386, 2010.

SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007.