terça-feira, 25 de agosto de 2020

PLE - Tema 5 – Gêneros de registro e memória: fichamento, resumo e resenha

 

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Curso de Pedagogia

Departamento de Didática

Disciplina: Leitura e Produção de Textos em Educação

Código: EDD 614

Professor Dr. Marcelo Macedo Corrêa e Castro

Período Letivo Excepcional – 24 de agosto a 16 de novembro de 2020

 

 

Texto do Tema 5 – Gêneros de registro e memória: fichamento, resumo e resenha

 

 

Neste texto, vou tratar de três gêneros que agrupei na categoria que abarca os textos que servem principalmente como registro e memória. Na primeira seção, trato do fichamento. Na segunda, examino comparativamente o resumo e a resenha. Como o texto é mais extenso do que o de outras aulas, você pode optar por ler cada seção isoladamente, e não o texto todo de uma vez.

1.       Fichamento

Começo por um gênero básico, de baixa complexidade, que, todavia, tem gerado algum desconforto para estudantes de graduação: o fichamento. Gênero típico de processos de investigação, o fichamento tem ocupado o lugar das chamadas “ferramentas pedagógicas” (DIONÍSIO e FISCHER, 2011, P.7), “aqueles textos que servem de mediadores dos processos de ensino e aprendizagem, nestes se incluindo a avaliação”. Isto porque uma quantidade considerável de docentes de graduação solicita de seus estudantes a produção de fichamentos com a finalidade única de aumentar a responsabilidade dos discentes com a tarefa de ler textos. Em outros termos, a entrega do fichamento ao professor serve como prova de que o estudante leu o texto solicitado.

Com todo o respeito à liberdade que cada um deve ter para ensinar, considero que a produção de fichamentos como tarefa de comprovação de leitura constitui uma tarefa com baixo potencial de contribuição para o desenvolvimento da escrita acadêmica, embora possa contribuir para as discussões em sala de aula ou levar o estudante a aprender a fazer fichamento, com vistas a ações futuras de pesquisa.

No primeiro caso – fazer fichamento para provar que leu o texto – os estudantes mantêm com a escrita uma relação idêntica à da Educação Básica, em que predominam a ausência de autoria, o alto grau de monitoramento externo e a destinação exclusivamente escolar. No segundo caso – fichar o texto para debatê-lo em sala – o estudante produz um gênero para uma função diferente daquela a que ele se destina primariamente. No último caso – fazer o fichamento para aprender a fazer fichamento – reproduz-se o que tem sido um dos maiores problemas no ensino de gêneros textuais e/ou discursivos: o da sua abordagem restrita ao instrumental e, por conseguinte, descontextualizada.

Para que sejam superados esses desvios e limitações, é preciso tratar do fichamento em seu contexto efetivo de constituição: os processos de investigação, sejam eles estudos mais primários ou projetos de maior complexidade.

Começo a contextualização antecipando um pouco do que será tratado na seção relativa ao gênero resumo. Para tanto, destaco que um processo de investigação científica envolve, em seus primeiros movimentos, um levantamento da produção bibliográfica existente que possa se relacionar com o tema a ser estudado. Esse levantamento, feito em bases de dados, usando palavras-chaves, leva à identificação de diversos títulos que podem ter relação com o que se quer pesquisar. Como ter certeza dessa relação? Se não houver um resumo do texto, a única saída é ler praticamente tudo.

Por isso, um resumo costuma apresentar, em 150 a 300 palavras, no caso de artigos publicados em periódicos, os elementos básicos de uma investigação - objeto de estudo, objetivos, procedimentos metodológicos, referencial teórico, principais resultados -, o que permite a um pesquisador definir com mais rapidez quais textos do seu levantamento bibliográfico devem ser lidos.

Partindo desse pressuposto, é possível situar o fichamento como um gênero que integra um grupo de textos, como o resumo, por exemplo, que servem como memória de leitura, permitindo que, ao longo de um estudo, seja possível recuperar o que consideramos de mais relevante nos diversos textos lidos.

Nesse sentido, o fichamento seria o mais básico registro de leitura, consistindo na identificação de partes do texto que interessam ao pesquisador. Orginalmente realizado em fichas de cartolina – o que explica o seu nome -, o fichamento atualmente pode ser feito com destaque de trechos, seja em versões reprografadas (xerox), seja em versões eletrônicas. Em sua forma mais simples, não exige nenhuma intervenção de escrita para além de marcar partes, seja sublinhando, destacando ou, se o autor achar melhor, copiando.

Severino (2012) refere-se ao fichamento como a produção de fichas de documentação, destacando inicialmente a ação individual de um pesquisador:

Passa-se para a ficha alguma passagem completa do texto que se lê, caso em que se deve transcrever ao pé da letra, colocando-se tudo entre aspas e citando a fonte; em outros casos faz-se apenas a síntese das ideias em questão; nesta hipótese, as aspas  são dispensadas, mas mantém-se a citação de fonte. Conforme o hábito pessoal, a transcrição nas fichas será feita interrompendo-se a leitura (o que é mais aconselhável) ou, então, primeiramente será feita uma leitura completa do texto pesquisado, assinalando-se levemente as passagens importantes, transcrevendo-as a seguir (p.146-147).

Adiante, o autor descreve as fichas como produtos em muito semelhantes àquelas utilizadas para consulta em bibliotecas, organizadas por autor, assunto e título da obra: “As fichas de documentação contêm, além do corpo da citação e referências indicadoras da fonte, um título e um subtítulo que permitem identificá-las e classificá-las” (p.147).

Por fim, Severino (2012) destaca que as fichas podem ajudar no compartilhamento de leituras em grupos de pesquisa e também abrem espaço para comentários nas fichas: “Durante a pesquisa [...] o leitor sempre pode ter ideias próprias sobre algum dos tópicos. As fichas de documentação servem também para registrar essas ideias, que, se não forem logo gravadas, acabam se perdendo” (p.147).

Henriques e Simões (2004, p.32), por seu turno, definem fichamento como: “tomada de nota de determinada obra que resulta em extração de fragmentos do texto lido, seguida de indicação de página e, se possível, de linha, para facilitar a posterior rememoração da obra consultada ou a utilização dos trechos ‘recortados’”.

Em uma síntese bastante simplificadora, o fichamento pode ser assim caracterizado:

1.                  Trata-se de um registro de leitura, dentro de um processo de estudo de caráter acadêmico.

2.                  Sua finalidade principal no processo é permitir a recuperação, a qualquer tempo, de trechos/ideias/informações relevantes para o estudo.

3.                  A escolha daquilo que vai ser destacado está relacionada diretamente aos focos de interesse do estudo.

4.                  Para cumprir plenamente sua função, deve conter, além dos trechos destacados, os elementos de identificação do texto, para futura inclusão nas referências consultadas para a elaboração do estudo.

5.                  Considerando os suportes mais empregados para a leitura de textos acadêmicos, o fichamento pode ser realizado com a simples aplicação de iluminadores, físicos ou virtuais (como o pincel usado para marcar textos em formato pdf), nas partes a destacar do texto fichado.

2.       Resumo e Resenha

Há dois outros integrantes do grupo dos gêneros acadêmicos aos quais atribuo a função de registro e memória de leitura que ocupam lugar destacado nas práticas de escrita da graduação: a resenha e o resumo. Optei por tratar dos dois em uma mesma seção porque, em meus estudos, encontrei muitos indicadores de dificuldades enfrentadas por docentes e estudantes no estabelecimento das características específicas de cada um desses dos gêneros.

Tais indicadores estão presentes na própria literatura produzida para tratar dos gêneros acadêmicos. Ao compulsar três obras dirigidas a estudantes universitários, duas delas adotadas por diferentes instituições de ensino superior (IES) da cidade do Rio de Janeiro, encontrei as seguintes definições de resenha.

Resenha (também chamada resenha crítica): trata-se de um fichamento mais sofisticado, uma vez que o “recorte” do texto do autor deverá vir acompanhado de comentários do leitor, concordando, discordando, acrescentando dados, baseados noutras experiências de leitura ou participações em sessões de discussão especializadas, etc (HENRIQUES e SIMÕES, 2004, p.33).

Uma primeira abordagem, portanto, estabelece a elaboração crítica como traço constituinte da resenha, definida como um “fichamento mais sofisticado”, podendo o seu autor “acrescentar dados” aos do texto resenhado.

Em outra obra, registra-se um reforço à visão de que uma resenha é, por definição, crítica: “A primeira informação que se precisa saber é que resenhar significa analisar, descrever, comentar e enumerar os aspectos relevantes de um objeto, apresentando, de maneira crítica, uma síntese das ideias fundamentais da obra” (COSTA e SALCES, 2013, p. 241).

Nessa segunda publicação, porém, não bastasse a diversidade das ações relacionadas à resenha, no parágrafo seguinte, as autoras aumentam a complexidade da tarefa de resenhar, quando explicam melhor como se caracteriza o gênero em questão.

Podemos encontrar dois tipos de resenha. A resenha pode ser puramente descritiva, isto é, sem nenhum julgamento ou apreciação do resenhista; ou ser crítica, pontuada de apreciações, notas e correlações estabelecidas pelo juízo crítico de quem a elaborou. Já a resenha crítica é a apresentação do conteúdo de uma obra com os apontamentos críticos e uma avaliação pessoal do resenhista sobre a obra (COSTA e SALCES, 2013, p. 242).

Em livro organizado por Cassano (2011, p.183), encontra-se distinção semelhante à apontada pelas autoras que acabei de citar:

Resenhas são gêneros muito solicitados no meio acadêmico. De um modo geral, elas são de dois tipos:

Resenha simples – resumo de uma obra (livro literário ou não, peça teatral, filme). O resultado é um texto meramente informativo.

Resenha crítica – resumo de uma obra acompanhado de uma avaliação em que aspectos positivos e/ou negativos são apontados. O resultado é um texto que mescla informação e opinião.

Além de afirmar que as “resenhas são gêneros”, o que permite ao leitor compreender que cada tipo de resenha na verdade constitui um gênero com suas particularidades, o texto apresentado suscita outra dúvida - se, de acordo com a lição, a resenha simples é um resumo informativo e a resenha crítica é um resumo opinativo, cabe perguntar: em que a resenha, pelo menos a simples, difere do resumo como gênero acadêmico? E, também: existe resumo opinativo?

Severino (2007, p.204) informa: “Resenha, recensão de livros ou análise bibliográfica é uma síntese ou um comentário dos livros publicados feito em revistas especializadas das várias áreas da ciência, das artes e da filosofia”. Mais adiante (p.205), ao explicitar os tipos de resenha que identifica, segue a tendência, aqui já apontada, de subdividir o gênero em função da presença da informação e da crítica:

Uma resenha pode ser puramente informativa, quando apenas expõe o conteúdo do texto; é crítica quando se manifesta sobre o valor e o alcance do texto analisado; é crítico-informativa quando expõe o conteúdo e tece comentários sobre o texto analisado.

Para prosseguir com a discussão, recorro ao Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, no qual leio o seguinte verbete para resenha:

1 descrição feita com detalhes, com pormenores 2 contagem, conferência, verificação 3 JOR tipo de resumo de texto de extensão maior que a da sinopse 4 JOR análise crítica ou informativa de um livro; recensão 5 JOR notícia jornalística que desce a detalhes da ocorrência e a analisa por diversos ângulos 6 JOR sinopse geral do que de fundamental ocorreu em determinado período, em matéria de noticiário (HOUAISS e VILLAR, 2001, p, 2436)

As acepções listadas no verbete indicam não só a predominância de uma perspectiva jornalística para o gênero resenha, como também sua amplitude no que diz respeito às ações de quem a escreve; amplitude fartamente confirmada pelos sinônimos apresentados para resenha ao final do verbete: “descrição, enumeração, exposição, levantamento, narração, notícia, panorama, recensão, relação, relato, revista”.

No caso dos cursos de graduação, vale destacar a conclusão de Marinho (2010, p.376):

Ao ouvir os depoimentos e acompanhar situações de sala de aula de alunos da universidade em que trabalho, fica evidente que uma das dificuldades que eles enfrentam é a de entender que concepções e expectativas têm os seus professores quando lhes demandam uma tarefa de leitura ou de escrita. A concepção de resenha, de resumo, de fichamento – textos muito solicitados aos alunos – de um professor de Psicologia da Educação pode ser bem diferente daquela esperada por um professor de Didática ou de Filosofia. [...] Além de nem sempre o aluno ter uma concepção clara do que seja um determinado gênero, principalmente quando se trata de produção e não de leitura, também o professor não costuma explicitar de forma suficiente a sua concepção. Na maioria das vezes, ele apenas solicita “façam uma resenha, um fichamento, um artigo”, supondo que esses conceitos são suficientemente claros e operacionais para que o aluno realize a sua tarefa.

Para aumentar a complexidade da questão, a resenha passou a figurar como gênero em periódicos acadêmicos. Nesse caso, porém, como veremos a seguir com o gênero resumo, há uma definição amplamente consensual de que a resenha publicada contenha algum nível de apreciação crítica da obra resenhada.

Esse quadro se repete no que se refere ao resumo, com uma diferença em relação à resenha, uma vez que há maior consenso quanto ao caráter informativo/descritivo do resumo. Antes de mais nada, todavia, faz-se necessário apontar uma diferença importante na produção e na circulação do resumo na comunidade discursiva da pesquisa e do ensino superior.

Severino (2007, p.204) chama a atenção para dois tipos básicos de resumo que são produzidos nas universidades. Primeiro, o autor afirma que o resumo é uma “síntese”, na qual, com suas “próprias palavras, o estudante mantém-se fiel às ideias do autor sintetizado”. Logo a seguir, adverte: “Não se deve confundir este resumo/síntese, muitas vezes exigido como trabalho didático, com o resumo técnico-científico”.

De fato, circulam com mais intensidade duas abordagens do resumo nas práticas de escrita acadêmica. Uma trata o gênero como uma síntese de ideias/informações de um texto, podendo ou não conter alguma apreciação crítica, desde que o autor do resumo estabeleça clara fronteira entre o que faz parte do texto resumido e o que é a sua opinião sobre ele. Essa abordagem predomina nas atividades propostas aos estudantes, principalmente aos de graduação. A outra diz respeito às exigências de que publicações acadêmicas, principalmente as de maior complexidade e extensão, como artigos, monografias, dissertações e teses, contenham, antes do texto principal, um resumo. Essa segunda abordagem possui definições bastante estabilizadas e gera menos variações de encaminhamento quanto a suas características formais e funções discursivas.

As duas abordagens justificam-se em razão das suas condições de produção e de circulação. No primeiro caso, são exercícios de síntese produzidos por estudantes em processo de formação, voltados para o desenvolvimento de habilidades mais de leitura do que de escrita, como salienta Severino (2007, p.204): “Não se trata propriamente de um trabalho de elaboração, mas de um trabalho de extração de ideias, de um exercício de leitura”.

Costa e Salces (2013, p.237) reforçam esse caráter não crítico-interpretativo do resumo, ao recomendarem: “No resumo, você vai expor as ideias que o autor expressou de maneira sintetizada com suas palavras, sem modificá-las  ou emitir opiniões, isto é, você deve ser fiel ao texto original ou realizar paráfrase”.

Logo a seguir, as autoras reforçam a importância da leitura na produção do resumo, evidente nas quatro etapas que sugerem para a sua elaboração:

1.              Ler o texto do início ao fim, sem interrupções, procurando responder: do que trata o texto?

2.              Realizar uma segunda leitura do texto com a finalidade de entender melhor as frases complexas e buscar o significado no dicionário de palavras desconhecidas.

3.              Numa terceira leitura, realizar a segmentação do texto. Dividindo-o em blocos temáticos ou de ideias que tenham unidade de significação.

4.              Nesta última etapa, redija o resumo com suas próprias palavras, procurando sintetizar as ideias dos blocos destacados na ordem em que forem apresentados.

Destaque-se que as autoras propõem três movimentos de leitura (1.ler, 2.segunda leitura, 3.terceira leitura) e apenas um predominantemente de escrita (4.redigir).

Para encerrar essa primeira parte, cito Henriques e Simões (2004, p.34):

Resumo: apesar de sua frequência no trabalho escolar desde as séries do ensino fundamental, o resumo não é uma tarefa das mais simples, pois demanda a existência prévia da leitura integral de um texto, da assimilação das ideias do autor, do amadurecimento do conteúdo, para, por fim, produzir-se um novo texto que abrigue as ideias fundamentais do texto lido.

Feitas essas referências, defendo, portanto, que o resumo que se pede aos estudantes como tarefa consiste basicamente em um texto sem marcas crítico-interpretativas, em que está sintetizado o conteúdo de um texto lido.

No que diz respeito à segunda abordagem ou concepção de resumo aqui identificada, considero que há menos divergências e desafios. Em primeiro lugar, trata-se de um tipo de resumo produzido por autores que já possuem inserção no mundo da investigação científica e, por conseguinte, maior domínio dos gêneros acadêmicos.

Em segundo lugar, a necessidade de partilhar informações básicas nos processos de investigação tem contribuído expressivamente para que a comunidade acadêmica construa modelos de resumo sobre os quais há consenso razoável ou mesmo alto.

Diante de uma intensa e crescente circulação de textos acadêmicos, o resumo consiste em elemento textual indispensável para que se faça a escolha dos textos que serão efetivamente lidos em um processo de revisão de literatura. Além disso, o resumo, ao antecipar conteúdo e organização do texto, facilita a localização de partes específicas.

Isso acabou levando a uma padronização dos resumos que constam de textos acadêmicos publicados. Severino, por exemplo, as nomeia assim: “o objeto tratado, os objetivos visados, os procedimentos metodológicos adotados e as conclusões a que se chegou” (2007, p.209).

Já Costa e Salces (2013, p.238) destacam que, em textos acadêmicos, “o resumo limita-se a um parágrafo, devendo incluir palavras representativas do assunto (palavras-chave) resumindo seu conteúdo e mostrando as ideias relevantes do texto”. Ainda na mesma página, informam que, segundo a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), os resumos de “notas e comunicações breves” devem conter até 100 palavras; os de monografias e artigos, até 250; os de relatórios e teses, até 500. À semelhança dos elementos apontados por Severino, as autoras indicam que o conteúdo desses resumos se componha de: “assunto do texto, objetivo, métodos, critérios utilizados, conclusões do autor da obra resumida” (p.238).

Muitos fatores convergem para a adoção de formatos padronizados para os resumos de publicações acadêmicas, mas considero que os principais estão todos ligados à necessidade de produzir trocas, juízos e escolhas confiáveis por parte dos sujeitos e instâncias que compõem essa comunidade discursiva. No entanto, embora a grande maioria desses sujeitos atue também no ensino de graduação, neste nível as práticas de propor, produzir e avaliar resumos são muito mais diversificadas.

Para concluir, primeiro apresento a seguinte síntese.

1.       Resenha e resumo são gêneros diretamente ligados à função de registrar e de recuperar leituras de textos, seja para quem os leu, seja para compartilhamento.

2.       Nas publicações acadêmicas - como trabalhos de conclusão, dissertações, teses e artigos – o resumo cumpre a função de apresentar os elementos básicos do trabalho e a estrutura do texto, não só para favorecer a decisão de se ler ou não o texto, como também para permitir aos seus leitores a mais fácil localização de elementos no texto, bem como a antecipação de expectativas quanto ao seu conteúdo, que constituem, nesse caso, fatores positivos para a coerência e a coesão no processo de leitura.

3.       Também a resenha assume um formato mais padronizado quando publicada em periódicos acadêmicos, configurando-se claramente como uma síntese de cunho mais livre do que o resumo no que tange ao seu caráter crítico-interpretativo.

4.       Embora definidos nas publicações, com seus traços específicos bastante padronizados, os dois se confundem nas práticas de produção textual do ensino superior, principalmente nas atividades dos cursos de graduação.

5.       A maior dificuldade para o estabelecimento das diferenças entre os dois consiste na presença da apreciação crítico-interpretativa, prevalecendo a visão que propõe que o resumo seja estritamente descritivo, ao passo que a resenha pode conter comentários e juízos de valor.

 

Respeitada a diversidade de contextos e a liberdade de construções de práticas por parte dos sujeitos, defendo que, principalmente nas práticas de produção textual da graduação, os sujeitos considerem sempre, em primeiro lugar, as funções do gênero, antes de pensar em suas características formais, visto que estas estão indissociavelmente ligadas àquelas,

Antes de buscar traços da superfície textual que permitam diferenciar resenhas de resumos, devemos - os professores, em especial - nos perguntar para que serve cada escrita proposta. Que habilidades terão seu desenvolvimento estimulado com a sua realização? O quanto a sua prática contribuirá para a inserção dos estudantes na comunidade discursiva e no próprio modo de produzir conhecimento das universidades? Que circulação terá aquele texto?

Por uma questão de economia, defendo que os dois gêneros sejam distinguidos da seguinte forma.

A resenha consiste em uma síntese de elementos básicos do texto lido, apresentada de forma comentada, contendo, pois, uma dimensão crítico-interpretativa. Sua função básica é registrar como se apreciou uma obra lida, seja para que o autor da resenha possa recuperar posteriormente a leitura que fez, seja para compartilhar essa leitura com outros que tenham lido ou venham a ler o texto resenhado.

O resumo, em sua abordagem mais ampla, consiste na síntese de elementos básicos do texto lido, apresentada de forma objetiva, isenta, nos termos do autor do resumo, mas sem a dimensão crítico-interpretativa. Sua função básica é extrair ideias e informações de um texto, habilidade indispensável a quem se dedica à produção científica.

O resumo, em sua abordagem em publicações acadêmicas, compõe-se de elementos básicos do texto lido, sendo eles necessariamente alguma variação de um conjunto predeterminado de elementos do estudo apresentado no texto, aqui elencado como: objeto, objetivos, referenciais teóricos e metodológicos, procedimentos metodológicos, conclusões. Costuma ser apresentado em pelos menos uma língua estrangeira, sendo o Inglês a mais frequente no caso de publicações brasileiras, e, ao seu final, são listadas de três a cinco palavras-chaves. Sua função básica é oferecer ao leitor elementos que lhe permitam decidir-se sobre a pertinência do texto para seus estudos e, consequentemente, a importância de fazer uma leitura completa daquela produção. Adicionalmente, permite que os leitores do texto tenham conhecimento prévio dos conteúdos abordados e da sua estruturação no texto, o que é desejável na leitura de textos acadêmicos.

Quanto ao trabalho com gêneros acadêmicos em sala de aula de graduação, defendo como princípio fundamental o de que haja uma situação real de produção, e não somente a prática voltada para o domínio formal de cada escrita. Assim, os estudantes precisam estar envolvidos com uma atividade que demande a produção dos gêneros.

3.       Síntese final

Fichamento, resumo e resenha constituem gêneros destinados registrar elementos básicos de um texto lido. A exemplo do que se usa para estruturar textos jornalísticos, podemos produzir e localizar esses elementos recorrendo a perguntas: Objeto (o quê?), objetivos (para quê?), referenciais teóricos e metodológicos (com base em quê?), metodologia (como?) e resultados (o que se espera alcançar? ou o que se alcançou?).

Se a intenção consiste apenas em localizar elementos, basta um fichamento. Se for sintetizá-los e um texto, cabe produzir um resumo. Se, por fim, o que se pretende é produzir uma síntese comentada desses elementos, o mais recomendável é escrever uma resenha.

 

Referências

 

CASSANO, Maria da Graça (Org.). Práticas de leitura e escrita no ensino superior. Rio de Janeiro: Maria Augusta Delgado, 2011.

COSTA, Deborah; SALCES, Claudia D. de. Leitura e produção de textos na universidade. Campinas, SP: Editora Alínea, 2013.

DIONÍSIO, Maria de Lourdes; FISCHER, Adriana. Perspectivas sobre letramento(s) no ensino superior: objetos de estudo em pesquisas acadêmicas. Atos de Pesquisa em Educação, Blumenau, v. 6, n. 1, p. 79-93, jan./abr. 2011.

HENRIQUES, Cláudio C.; SIMÕES, Darcília M. P. A redação de trabalhos acadêmicos: teoria e prática. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles; FRANCO, Francisco Manoel de Mello. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

MARINHO, Marildes. A escrita nas práticas de letramento acadêmico. Revista Brasileira de Linguística Aplicada, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 363-386, 2010.

SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 23. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

 

PLE - Tema 4 – Gêneros acadêmicos da área de Educação

 

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Curso de Pedagogia

Departamento de Didática

Disciplina: Leitura e Produção de Textos em Educação

Código: EDD 614

Professor Dr. Marcelo Macedo Corrêa e Castro

Período Letivo Excepcional – 24 de agosto a 11 de novembro de 2020

 

 

 

Texto do Tema 4 – Gêneros acadêmicos da área de Educação

 

Os gêneros textuais mais praticados nas universidades recebem principalmente três qualificações gerais: acadêmicos, científicos e universitários, sendo as duas primeiras mais frequentes. Neste trabalho vou adotar a designação gêneros acadêmicos, porque é a mais usada na área de Educação.

O primeiro pressuposto que apresento é o de que os gêneros acadêmicos são produzidos e circulam prioritariamente em uma comunidade discursiva que abrange docentes, servidores técnicos e estudantes. Tais gêneros resultam de ações relacionadas às três dimensões do tripé definido para o desenvolvimento das universidades: ensino, extensão e pesquisa.

Embora seja preconizada uma indissociabilidade entre essas três dimensões, na realidade o que se observa é que, muitas vezes, elas se desenvolvem com bastante independência. Isso afeta diretamente a produção textual, uma vez que a escrita tem suas características formais atreladas à sua função e valor social. As condições de produção de um texto, bem como sua destinação, por exemplo, são aspectos determinantes para a configuração final de uma produção escrita.

Nesse sentido, começo por deixar de lado textos estritamente técnicos, relacionados às rotinas burocráticas. Feita essa exclusão, vou considerar dois grupos de textos: os produzidos por docentes e técnicos, por força de suas atividades de ensino, extensão e pesquisa; e os produzidos por estudantes de graduação e de pós-graduação em seus processos de formação. Como esse trabalho destina-se especialmente aos estudantes de graduação, vou concentrar meu foco na sua escrita acadêmica.

Professores e técnicos escrevem textos ligados basicamente a três movimentos: propor, examinar e relatar ações de pesquisa e de extensão. Sem prejuízo de outras escritas, os gêneros projeto, parecer, relatório e artigo dominam sua produção.

Estudantes de graduação, por seu turno, embora sejam demandados a produzir gêneros consagrados como acadêmicos – fichamento, resumo, resenha – também precisam dar conta de outro tipo de produção escrita. Segundo Dionísio e Fischer (2011, p.87), seriam as ferramentas pedagógicas (grifo acrescido), “aqueles textos que servem de mediadores dos processos de ensino e aprendizagem, nestes se incluindo a avaliação”.

Em pesquisa realizada com 18 docentes do Curso de Pedagogia da UFRJ (CASTRO, 2018, p.68), obtive o seguinte resultado para a pergunta: “Que tipo de produção escrita você costuma solicitar dos estudantes nas disciplinas que leciona?”

As respostas discriminam 26 designações de produção textual, nomeadas pelos participantes no conjunto de 81 indicações presentes em suas respostas. As designações com maior ocorrência são estas: trabalho (13), prova (8), plano (7), resumo (7), relatório (6) e estudo dirigido (5), em um total de 46, o que corresponde a 56,7%. A seguir, vêm análise (4), avaliação (4), projeto (4) e resenha (4), perfazendo 16, o que equivale a 19,7%. As demais têm uma ou duas ocorrências e representam, no todo, 23,6%.

Como apontei no referido estudo, apenas 31,2% dos gêneros mencionados pelos docentes estão contemplados nas obras de referência para o ensino e a aprendizagem de gêneros acadêmicos. Além disso, o gênero mais citado – trabalho – constitui uma produção de amplitude larga e caracterização fluida, que não se constitui claramente como um gênero, embora, segundo Marinho (2010), possamos considerar que ele se aproxime da produção que os estudantes costumam praticar na Educação Básica.

Teríamos, portanto, no caso da produção dos estudantes de graduação, a predominância de uma escrita, em boa parte, semelhante à que praticaram na Educação Básica, com destaque para o Ensino Médio. Trata-se de uma escrita demandada pelos professores, cuja função principal é devolver conteúdos, demonstrar aprendizagens e explicitar conhecimentos (CARVALHO, 2003).

Não vou tratar dessa escrita. Minha atenção ficará restrita à produção dos gêneros estritamente acadêmicos, mas fiz questão de começar minha abordagem destacando que tais gêneros não ocupam de forma majoritária o universo da produção escrita dos graduandos, toda ela ainda fortemente dominada pela confecção de trabalhos para provar ao professor que aprenderam o que lhes foi proposto aprender.

Para iniciar esse percurso, destaco ainda uma questão primordial para as abordagens que faço dos gêneros acadêmicos na graduação. Trata-se da diferença que existe entre docentes, técnicos e pesquisadores, de um lado, e estudantes de graduação, de outro, quando se trata das condições de produção de escritas tipicamente acadêmicas.

Nesse sentido, os do primeiro grupo escrevem em decorrência de movimentos que gerenciam com bastante autonomia e monitoramento próprio, enquanto os do segundo escrevem demandados por seus professores ou, na melhor das hipóteses, quando envolvidos em ações de pesquisa e de extensão, monitorados por seus orientadores.

Tenho defendido que os avanços dos estudantes de graduação no desenvolvimento de sua escrita acadêmica têm pouca expressão quando limitados a intervenções como cursar disciplinas ligadas ao chamado letramento acadêmico. Por força da minha experiência no ensino superior e dos estudos realizados nos últimos anos acerca da escrita acadêmica de graduandos, defendo que o desenvolvimento dessa escrita depende da inserção dos estudantes na comunidade discursiva da academia. Isso equivale a defender que tenham uma condição essencial a autores de gêneros acadêmicos: estarem de fato envolvidos, com protagonismo, em ações de pesquisa e de extensão. Em minhas abordagens, portanto, vou considerar não apenas como se produz um determinado gênero, mas quem o produz, em que quais condições e para quê.

Para dar conta da análise dos gêneros acadêmicos, agrupei-os em três conjuntos, a partir de uma combinação do grau de complexidade e da função de cada um.

O primeiro grupo é o dos textos de complexidade menor, com função basicamente de registro de leitura. Funcionam com a perspectiva de se constituir uma memória dos textos lidos, para consulta e para compartilhamento. Nele incluo o fichamento, o resumo e a resenha.

O segundo grupo é o dos textos de complexidade mediana, nos quais a função de análise e argumentação se combinam com o registro e o relato. Neste grupo, incluo o ensaio, os relatórios com dimensão crítica e os artigos.

O terceiro grupo reúne os textos de maior complexidade, com função de apresentar análises e investigações de maior alcance e profundidade. Estão nesse caso os trabalhos de conclusão de curso, as dissertações de mestrado e as teses de doutorado.

Desses três grupos de textos, tratarei em tópicos separados ao longo do curso daqueles que são mais solicitados aos estudantes do curso de Pedagogia da UFRJ: o trio fichamento, resumo e resenha; o anteprojeto de TCC; o TCC. Adicionalmente, abordarei o ensaio como um gênero que pode servir de ponte entre o domínio da escrita ao fim da Educação Básica e as demandas de produção textual próprias do início do ensino superior.

 

 

Referências

 

CARVALHO, J. A. B. Escrita: percursos de investigação. 2003. Braga: Portugal, DME/UM, 2003. Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/18254/1/Escrita,%20Percursos%20de%20investiga%C3%A7%C3%A3o.pdf  . Acesso em 8 de setembro de 2015.

 

CASTRO, M. M. C. e. A Produção Textual Solicitada aos Estudantes do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. IN: Educação em debate. Fortaleza, Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira – FACED/UFC. Ano 40, n.o 75, ilust. quadrimestral, 2018. ISSN: 0102-1117. e-ISSN: 2526-0847. http://dx.doi.org/10.24882/eemd.v40i75.552