sexta-feira, 28 de abril de 2017

Bases conceituais: Textualidade



Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Educação
Curso de Pedagogia
Disciplina Didática da Língua Portuguesa – EDD361
Professor Doutor Marcelo Macedo Corrêa e Castro
Bases Conceituais: Textualidade

               Segundo Val (2006, p.3), texto é uma “ocorrência linguística falada ou escrita, de qualquer extensão, dotada de unidade sociocomunicativa, semântica e formal”. Ainda de acordo com a autora, a textualidade seria um “conjunto de características que fazem com que um texto seja um texto, e não apenas uma sequência de frases” (VAL, p.5, 2006).
               Para Beaugrande e Dressler (1983, apud Val, 2006), tais características têm relação com sete aspectos: aceitabilidade, coerência, coesão, informatividade, intencionalidade, intertextualidade e sustentabilidade. Val explica cada um deles da seguinte forma:
1.       Aceitabilidade > “[...] concerne à expectativa do recebedor de que o conjunto de ocorrências com que se defronta seja um texto coerente, coeso, útil e relevante, capaz de leva-lo a adquirir conhecimentos ou a cooperar com os objetivos do produtor” (p.11).
2.       Coerência > “A coerência resulta da configuração que assumem os conceitos e relações subjacentes à superfície textual. É considerada o fator fundamental da textualidade, porque é responsável pelo sentido do texto. Envolve não só aspectos lógicos e semânticos, mas também cognitivos, na medida em que depende do partilhar de conhecimentos entre os interlocutores [...] Um discurso é aceito como coerente quando apresenta uma configuração conceitual compatível com o conhecimento de mundo do recebedor” ( p.5).
3.       Coesão > “A coesão é a manifestação linguística da coerência; advém da maneira como os conceitos e relações subjacentes são expressos na superfície textual. Responsável pela unidade formal do texto, constrói-se através de mecanismos gramaticais e lexicais” (p.7).
4.       Informatividade > “[...] diz respeito à medida na qual as ocorrências de um texto são esperadas ou não, conhecidas ou não, no plano conceitual e formal. Ocorre que um discurso menos previsível é mais informativo, porque a sua recepção, embora mais trabalhosa, resulta mais interessante, mais envolvente. Entretanto, se o texto se mostrar inteiramente inusitado, tenderá a ser rejeitado pelo recebedor, que não conseguirá processá-lo” (p.14).
5.       Intencionalidade > “A intencionalidade concerne ao empenho do produtor em construir um discurso coerente, coeso e capaz de satisfazer os objetivos que tem em mente, numa determinada situação comunicativa. A meta pode ser informar, ou impressionar, ou alarmar, ou convencer, ou pedir, ou ofender, etc., e é ela que vai orientar a confecção do texto” (p.11).
6.       Intertextualidade > “[...] concerne aos fatores que fazem a utilização de um texto dependente do conhecimento de outro(s) texto(s) [...] Inúmeros textos só fazem sentido quando entendidos em relação a outros textos, que funcionam como seu contexto. Isso é verdade tanto para a fala coloquial, em que se retomam conversas anteriores, quanto para os pronunciamentos políticos ou o noticiário dos jornais, que requerem o conhecimento de discursos e notícias já divulgados, que são tomados como pontos de partida ou são respondidos” (p.15).
7.       Situacionalidade > “[...] diz respeito aos elementos responsáveis pela pertinência e relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. É a adequação do texto à situação sociocomunicativa” (p.12).
Dos sete aspectos aqui apresentados, dois ganharam mais atenção nos estudos acadêmicos, motivo pelo qual é mais expressiva sua presença em documentos legais que tratam do ensino de Língua Portuguesa, em especial no que se refere à produção textual: coerência e coesão. Itens praticamente obrigatórios em todos os conjuntos de critérios de avaliação de produção textual, a coerência e a coesão devem ser consideradas como aspectos indissociáveis. Embora haja uma tendência de se relacionar a coerência mais diretamente ao conteúdo e a coesão mais à forma de um texto, os dois aspectos se configuram como marcas presentes tanto na superfície textual quanto nos seus níveis mais subjetivos. Por conta de sua maior complexidade, destaco o que afirmam outros autores sobre coerência e coesão.
Para Elias e Koch (2011):
1.       A noção de coerência não se aplica, isoladamente, ao texto, nem ao autor, nem ao leitor, mas se estabelece na relação entres esses três elementos.
2.       A construção da coerência envolve da parte de quem escreve (e também de quem lê) conhecimentos os mais variados, como, por exemplo, o enciclopédico e o metagenérico.
3.       A coerência depende também de fatores como a focalização e a seleção lexical.
4.       A coerência não pressupõe, necessariamente, no plano da materialidade linguística, a ligação entre os enunciados de forma explícita.
5.       A coerência depende também, em parte, do uso da língua socialmente instituído.
6.       A construção da coerência demanda conhecimento em certas culturas e épocas quanto à forma de comportamento.
7.       A coerência pressupõe a manutenção temática, embora, em certos casos, dependendo da intenção do autor ou do gênero textual, a fuga ao tema seja utilizada como estratégia mesma de coerência.
Marcuschi (2008) traz as seguintes contribuições para a definição de coerência:
Para Beaugrande (1980: 19), a coerência subsume os procedimentos pelos quais os elementos do conhecimento são ativados, tais como a conexão conceitual. A coerência representa a análise do esforço para a continuidade da experiência humana. Isso significa que há uma distinção bastante clara entre a coesão como a continuidade baseada na forma e a coerência como continuidade baseada no sentido (p. 119).
Para Charolles (1983), a coerência pode ser vista como “um princípio da interpretação do discurso” e das relações humanas de modo geral. Ela é o resultado de uma série de atos de enunciação que se encadeiam sucessivamente e que formam um conjunto compreensível como um todo (p. 121)
No que se refere à coesão, Elias e Koch (2011), identificam dois tipos básicos de coesão: a referencial e a sequencial. Reportam ainda as autoras que, para Halliday e Hane, a coesão seria construída por meio de referência, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical.
Já para Marcuschi (2008): “Os processos de coesão dão conta da estruturação da sequência [superficial] do texto (seja por recursos conectivos ou referenciais); não são simplesmente princípios sintáticos. Constituem os padrões formais para transmitir conhecimentos e sentidos” (p. 99).
Por fim, retornando ao texto de Val (2006), recupero o que autora explica sobre as quatro meta-regras de Charolles (1978), diretamente ligadas à coerência e à coesão
1.       A continuidade > “diz respeito à necessária retomada de elementos no decorrer do discurso”.
  1. A progressão > “acréscimos semânticos que fazen o sentido do texto progredir”.
  2. A não-contradição > ausências de contradições internas e de incompatibilidades com o conhecimento de mundo.
  3. A articulação (congruência) > “maneira como os fatos e conceitos apresentados no texto se encadeiam”.

Para o ensino-aprendizagem da produção textual, as noções relacionadas com o conceito de textualidade servem como importante base para a proposição, o acompanhamento e a avaliação de atividades de escrita dos estudantes.  Não só porque são noções mais consistentes do ponto de vista científico, como também porque permitem a superação da perspectiva de ensino-aprendizagem que se limitava a propor redações e a corrigi-las. Com base nelas, sugiro que os professores passem a considerar na leitura dos textos dos seus alunos algumas questões iniciais: Essa produção é um texto? O texto atende ao proposto para a atividade? O texto está compatível com o estado de desenvolvimento da escrita do seu autor? De que forma estão presentes na produção os itens da textualidade? A partir do exame de tais aspectos, os professores podem apontar caminhos para que os estudantes, em seus processos de desenvolvimento da escrita, continuem a ampliar o domínio daquilo que confere textualidade às suas produções.
É preciso, todavia, tomar cuidado para que orientações relacionadas ao aperfeiçoamento da textualidade não se transformem em “regras de coerência e coesão”. Listas, esquemas e fórmulas para produzir textos consistentes apenas representam para os estudantes soluções superficiais e padronizadas que não construíram em seus processos de desenvolvimento da escrita.



                                           
Referências Bibliográficas
ELIAS, Vanda M. & KOCH, Ingedore V. Ler e escrever: estratégias de produção textual. SP, Contexto, 2011.
MARCUCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. SP, Parábola, 200
VAL, M. da G. C. Redação e textualidade. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Bases conceituais: Acentuação gráfica



Universidade Federal do Rio de Janeiro
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Faculdade de Educação
Curso de Pedagogia
Disciplina Didática da Língua Portuguesa – EDD361
Professor Doutor Marcelo Macedo Corrêa e Castro
Bases conceituais: Acentuação gráfica
Abril de 2017

Segundo Cunha (2016, p.78), junto com o alfabeto, na língua escrita lançamos mão “de certo número de sinais auxiliares, destinados a indicar a pronúncia exata da palavra [...] chamados NOTAÇÕES LÉXICAS”. O conjunto das Notações léxicas adotadas na grafia das palavras em Língua Portuguesa está esquematizado no quadro abaixo, construído com base na obra de Cunha, aqui já citada.

Sinal
Emprego
Exemplo
Acento agudo – (´)
Assinalar as vogais tônicas fechadas i e u
Assinalar as vogais tônicas abertas e semiabertas a, e, o
típico – única

caráter – café - próximo
Acento circunflexo – (^)
Indicar o timbre fechado das vogais tônicas a, e, o
câmera – gênio – bisavô
Acento grave - (`)
Indicar a crase (fusão) da preposição a com a forma feminina do artigo definido a/as e com os pronomes demonstrativos a(s), aquele(s), aquela(s), aquilo(s)

Apóstrofo – (‘ )
Assinalar a supressão de um fonema – geralmente uma vogal – no verso, em certas pronúncias populares e em palavras compostas ligadas pela preposição de
esp’rança - ‘tá bem - pau-darco
Cedilha – (ç)
Representar a fricativa linguodental surda [s] antes de a, o, u
cabeça – pescoço - açúcar
Hífen – (-)
Ligar elementos de palavras compostas ou derivadas por prefixação
Unir pronomes átonos a verbos
Separar sílabas em final de linha
ex-aluno


escreveram-me

                                           esco-larizado
Til - (~)
Nasalizar as vogais a, o
manhã - botões
Trema – (¨)
Grafar palavras estrangeiras
Günter


No que diz respeito aos critérios para o emprego da acentuação gráfica, sempre é bom lembrar que, na grande maioria dos casos, as palavras, acentuadas ou não, existem primeiramente na fala. Disso resulta que o estabelecimento da sua grafia procura reforçar marcas definidas pelo uso oral. Esse reforço serve fundamentalmente como apoio para que a leitura das palavras, especialmente as desconhecidas do leitor, esteja de acordo com sua forma falada.
Essa relação entre fala e escrita dá sustentação ao princípio geral que orienta o emprego da acentuação gráfica: marcam-se com acentos as palavras cuja tonicidade foge ao que predomina na fala. Para entender melhor tal princípio, é preciso ter em mente dois fatos: (1) a acentuação assinala a sílaba tônica, a mais forte da palavra; (2) na fala dos usuários do Português do Brasil só existem três posições possíveis para a sílaba tônica – a antepenúltima, a penúltima e a última. A classificação decorrente dessa distribuição se dá conforme o quadro abaixo.

Posição da sílaba tônica
Antepenúltima
Penúltima
Última
Classificação
Proparoxítona
Paroxítona
Oxítona

A primeira regra de acentuação aplica-se às palavras proparoxítonas: são todas acentuadas. Também conhecidas como palavras esdrúxulas, as proparoxítonas constituem um grupo minoritário na fala, porque os usuários do Português Brasileiro preferem, nesta ordem, as paroxítonas e as oxítonas.
O mesmo princípio, aplicado às palavras terminadas em -ão, por exemplo, mostra que apenas uma discreta quantidade delas não é oxítona, motivo pelo qual são acentuadas: órfão, órgão, bênção.
O resultado da aplicação desse critério de marcar o que é excepcional está consolidado sinteticamente a seguir. Recebem acento gráfico:
1.       Todas as Proparoxítonas: lâmpada, trânsito, víbora.
Todas as Proparoxítonas eventuais ou falsas (palavras que, na fala, têm pronúncia limítrofe entre proparoxítona e paroxítona): área, cárie, ciência, história, princípio.
2.       As paroxítonas terminadas em:
ã(s) > ímã/ímãs;
ão(s) > bênção/bênçãos;
i(s) > júri/dóceis;
om/on(s) > iândom/elétron/prótons;
um/uns/us > álbum/álbuns/ônus;
l > amável/difícil;
n > cânon/hífen;
ps > tríceps, fórceps;
r >caráter, éter;
x > tórax.
3.       As oxítonas e os monossílabos terminados em:
á(s) > cajá, marajás, lá, pás;
é(s) > café, através, fé, pés;
ê(s) > você(s), mês;
ó(s) > avó, cipós, só, nós;
ô(s) > avô(s), pôs;
ém > contém, porém, também;
éns (com pelo menos duas sílabas) >  armazéns
êm (3ª pessoa do plural) >  (elas/eles) contêm, detêm, têm, vêm.

4.       Os ditongos tônicos abertos em sílaba final de oxítonas e paroxítonas > anéis, chapéu, corrói, véu.
5.       Os hiatos em i e u tônicos orais desde que: (1) componham uma sílaba sozinhos ou com s; (2) sejam o segundo elemento do hiato; (3) não sejam seguidos de l, m, n, nh, r ou z > caí, caíste, egoísta, saúde, reúnem, Grajaú.
6.       As formas verbais homófonas tem (singular)/têm (plural) e vem/vêm, assim como seus derivados contém/contêm, provém/provêm.
7.       O infinitivo do verbo pôr (para marcar diferença em relação à preposição por) e a forma verbal de passado pôde (para marcar diferença em relação à forma verbal de presente pode).

Quanto ao ensino da acentuação, recomendo que se adote o mesmo conjunto de princípios para todas as questões de ortografia.

1.                   A compreensão acerca dos problemas dos estudantes com a ortografia deve ser construída a partir de algumas suposições: (a) o estudante não domina suficientemente o Sistema de Escrita Alfabética (SEA); (b) o estudante não esteve suficientemente exposto à escrita da palavra para a qual emprega uma grafia diferente daquela que consta da norma ortográfica; (c) o estudante não valoriza em sua produção textual o emprego da ortografia. Nenhuma combinação das três possibilidades aponta, a princípio, para dificuldades cognitivas de ordem mais preocupante. Ao contrário, todas são potencialmente superáveis com a exposição continuada ao uso da língua escrita.
2.                   Como convenção, a ortografia é uma tentativa de uniformizar o uso da língua em sua escrita. O resultado é um conjunto de princípios razoavelmente estáveis e de escolhas nem sempre claras. Compreendidas as relações básicas confiáveis da convenção, o estudante empregará essas relações para grafar as palavras e terá uma escrita compatível com a convenção. As irregularidades podem ser compreendidas e, em último caso, memorizadas ao longo da escolarização, respeitando-se, no ensino-aprendizagem da produção textual, uma hierarquia de aspectos na qual a excelência no emprego da ortografia está abaixo de habilidades mais complexas, como as de argumentação e estruturação, que devem ser priorizadas.
3.                   A acentuação gráfica pode, portanto, ser aprendida aos poucos, sem que os professores levem os estudantes a considerar que seus textos não têm valor porque há equívocos no emprego de acentos. As compreensões de que existem sílabas tônicas, de que elas podem estar em três posições, de que o acento marca palavras em que a sílaba tônica não está no local predominante naquele grupo devem ser construídas com calma, a fim de que os estudantes possam se apropriar do conjunto de regras aos poucos e com conhecimento das razões que fundamentam tal conjunto.
4.                   A proposição de exercícios isolados para acentuar/justificar acentuação deve ser contraposta ao princípio maior de que os textos são eventos de interação, o que significa dizer que, no uso real da língua, tais exercícios só existem em práticas escolares de treinamento/memorização e de verificação de aprendizagem. O uso da ortografia precisa ocorrer em contextos efetivos de comunicação, devendo, portanto, ser posto em prática nas atividades de produção de leitura e escrita, e não como treino em separado.



Fontes:
CUNHA, C, F, e CINTRA, L. F. L.  Nova gramática do português contemporâneo. 7ª ed. Rio de Janeiro : Lexikon, 2016.
LUFT, C. P. Novo Guia Ortográfico. 3ª ed. São Paulo : Globo, 2013.