terça-feira, 4 de agosto de 2020

PLE - Tema 1 - Meu Memorial de Entrada: um exercício de escrita

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Centro de Filosofia e Ciências Humanas

Faculdade de Educação

Curso de Pedagogia

Disciplina Leitura e Produção de Textos em Educação

Professor Doutor Marcelo Macedo Corrêa e Castro




Meu Memorial de Entrada

                                                        Marcelo Macedo Corrêa e Castro

 

 Meu nome é Marcelo Macedo Corrêa e Castro. Tenho 64 anos e vivi sempre no Rio de Janeiro, cidade onde nasci. Meus pais liam bastante e minha casa era cheia de livros. Comecei minha vida escolar aos três anos de idade e circulei por ambientes em que a leitura era cultivada como hábito, necessidade e escolha.

Apesar dessas condições favoráveis, só por volta dos treze anos comecei a me interessar pela leitura e a fixá-la como uma atividade central em minha vida. Com o passar do tempo, fui me tornando um leitor cada vez mais atento, interessado e interativo. Cursei Letras, tornei-me professor de Língua Portuguesa e Literatura e, há 40 anos, ajudo a formar professores que vão ensinar a ler e a escrever.

Hoje a leitura é parte indispensável da minha vida. Leio sempre. Leio vários livros ao mesmo tempo. Leio por causa da minha profissão. Leio nas minhas horas de lazer. Leio livros em papel. Leio textos no computador ou no tablet. No celular não consigo ler bem porque minha visão não ajuda.

Como explicar essa sucessão de fases? Por que será que até a parte inicial da minha adolescência a leitura não se apresentava como uma atividade atraente? Eu dizia para mim mesmo que era por causa da minha visão ruim, que tornava a leitura um ato cansativo, e do meu interesse por outras formas de arte, principalmente pela música e o cinema.

O fato é que pude decidir se e quando começaria a gostar de ler, condição que considero indispensável para a formação do leitor. Da mesma forma, sempre tive livros, jornais e revistas à minha disposição, outro fator igualmente indispensável para que alguém desenvolva o hábito de ler.

Com relação à escrita, aconteceu algo semelhante. Como muitas pessoas, descobri na adolescência que havia na escrita um espaço para a expressão de desejos, angústias, amores e medos que eu não conseguiria manifestar em outras práticas sociais. Meus primeiros escritos foram para mim mesmo: poemas sobre meus sentimentos. Fiz também letras para minhas composições musicais.

Na graduação, descobri que podia escrever também com uma perspectiva mais racional. Aprendi a colocar no papel informações, ideias, argumentos, hipóteses. Aprendi que minha palavra escrita poderia se transformar em uma promissora porta para a minha comunicação com o mundo e para o exercício da minha cidadania, além da sua evidente relevância para a vida de um professor de Língua Portuguesa e de Literatura Brasileira.

De lá para cá, cursei mestrado, doutorado e pós-doutorado; publiquei artigos e livros acadêmicos; publiquei livros de poesia e de ficção; desenvolvi projetos de investigação sobre a escrita e o seu ensino. Tudo isso decorreu de uma relação cada vez mais visceral com o ato de escrever e com seus inúmeros desdobramentos sociais.

Igualmente ignoro por que motivos a escrita abriu-se como possibilidade maior em certo momento da minha juventude, mas, a exemplo do que ocorreu com a leitura, estou convencido de que a liberdade de escolher esse caminho, bem como a hora e a forma de seguir por ele, foram condições determinantes para que eu desenvolvesse com a escrita uma relação tão essencial para a minha vida.

Com relação ao papel da escola nisso tudo, tenho duas percepções. A primeira é a de que as escolas em que estudei, incluídas nesse conjunto as universidades, de alguma forma imperfeita, valorizavam a leitura e a escrita como aprendizagens centrais para a vida em todos os seus aspectos. Isso, de alguma forma, contribuiu para que, mesmo em períodos de menor interesse por leitura e escrita, eu estivesse em contato com atividades em que precisava ler e escrever. A segunda é a de que havia um direcionamento excessivo da escola quanto ao que deveria ser lido e escrito, além de uma vinculação das atividades de leitura e de escrita aos estudos de gramática e à confecção de trabalhos.

Como professor de escolas de Educação Básica, condição que ocupei por 22 anos, e como professor de futuros professores de leitura e de escrita, na qual me encontro há 40, busquei sempre entender como se formam as relações com a leitura e com a escrita, de um lado, e, de outro, como podemos fazer do ensino escolar de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira uma prática que favoreça o desenvolvimento de habilidades relacionadas a ler e a escrever, sem limitá-las à realização de trabalhos para aprovação, ajudando, portanto, os estudantes a ampliar suas possibilidades como leitores e produtores de  textos, sem restringir essas práticas às obrigações escolares.

No que se refere especificamente à leitura e à escrita no ensino superior, enfrentei muitas dificuldades para atravessar o verdadeiro fosso que existe entre o que a gente lê e escreve na Educação Básica e o que existe para ser lido e escrito no ensino superior. Superei essas dificuldades com a prática, sem qualquer trabalho sistemático da universidade para melhorar meu domínio de leitura e escrita, e com a ajuda de professores e colegas de estudo.

Nos últimos dez anos, venho me dedicando a investigar a escrita acadêmica dos estudantes do curso de Pedagogia da UFRJ e a buscar estratégias que me permitam ajudá-los no desenvolvimento de suas práticas como leitores e como produtores de textos na universidade.

Se não lesse e escrevesse como leio e escrevo, provavelmente minha vida teria sido outra. Não tenho como comparar com a que vivi até esse momento, mas não me atrai nenhuma perspectiva de tentar viver sem ler e escrever. Por isso, deixo as especulações de lado e trato de agradecer ao acaso, às escolhas, às possibilidades de que dispus e aos investimentos que fiz toda uma relação vital com a leitura e a escrita.

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